Os exames nacionais que hoje se iniciam põem fim a um ano lectivo marcado pela luta dos professores, debates sobre a insegurança e a indisciplina nas escolas e muita produção legislativa do Governo.
Em declarações à Agência Lusa, professores, associações de pais e o Conselho Nacional das Escolas (CNE) salientam que este foi um ano marcado pela polémica à volta da avaliação dos docentes, pela discussão dos diplomas sobre o estatuto do aluno, da gestão escolar e das alterações no ensino especial e pelos debates sobre a indisciplina nas escolas, através da divulgação de casos que se tornaram exemplares, como o "caso do telemóvel" na sala de aulas do Carolina Michaelis, no Porto.
Segundo o presidente do CNE, Álvaro Almeida dos Santos, a discussão da indisciplina nas escolas na praça pública foi exacerbada por "um episódio que marcou bastante a comunidade educativa nacional", mas que permitiu que as escolas e toda a sociedade reflectisse sobre estas questões e que "a escola voltasse ao centro das atenções quanto à necessidade de estabelecer regras muito claras de convivência no seu interior".
No balanço do ano lectivo que está prestes a terminar, Álvaro Almeida dos Santos considerou ainda que o novo modelo de gestão das escolas permite mais autonomia, promove o "reconhecimento da comunidade educativa" e de que "as lideranças têm de ser eficazes"; que o novo estatuto do aluno mantém alguns problemas quanto às regras das provas de recuperação dos alunos que faltaram a muitas aulas e salienta que "parece que se chegou a uma solução relativamente consensual e razoável" quanto à avaliação dos docentes.
Opinião contrária têm os docentes, com a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) e a Federação Nacional de Professores (Fenprof) a considerarem que este foi um ano marcado pela contestação dos docentes contra o que consideram ser o "agravamento da sua condição profissional".
O dirigente da FNE João Dias da Silva salienta que o ano lectivo foi marcado "pelo agravamento do mau estar docente", a que se associou um significativo "decréscimo da qualidade do relacionamento interpessoal entre os docentes nas escolas e por um crescimento da conflitualidade das pessoas".
Na opinião deste sindicalista, na origem destes novos conflitos "está a introdução da divisão dos professores em duas categorias [professor e professor titular] e da forma como essa divisão depois se traduziu nas regras do concurso a Professor Titular".
No centro desta "conflitualidade" esteve também a introdução do "novo modelo de avaliação de desempenho dos docentes, que criou situações de desconfiança, de angústia e de descrença, com claro prejuízo para o envolvimento das pessoas e para a escolha da profissão como projecto de vida para quem queira começar a ser professor", disse, garantindo que, apesar desta situação, o desempenho e os resultados dos alunos não foram prejudicados.
O desagrado dos professores manifestado no protesto que reuniu 100 mil manifestantes a 08 de Março numa marcha de protesto em Lisboa foi o acontecimento do ano para Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, que destaca que as sucessivas medidas legislativas lançadas este ano pelo Governo vêm "criar mais dificuldades à escola pública portuguesa para que se afirme como uma escola de qualidade" nos próximos anos.
"Foi um ano extremamente complicado, porque foi o ano em que, entendendo que no próximo terá de ter mais cautelas porque no próximo será um ano pré-eleitoral, o Governo decidiu lançar cá para fora tudo o que foi possível, para no próximo ano não ter de lançar mais trabalho sujo deste tipo", afirmou.
Além do modelo de avaliação de professores, Mário Nogueira salientou como negativos "um conjunto grande de quadros legais que foram regulamentados ou significativamente alterados", como o novo modelo de gestão escolar, que na sua opinião põe fim "definitivamente à gestão democrática das escolas ao permitir a sua governamentalização, impondo um órgão unipessoal na figura do director e no qual a autonomia das escolas é brutalmente reduzida".
Nogueira critica ainda o diploma sobre a educação especial por considerar que põe " em causa princípios essenciais da escola inclusiva", porque "deixa de fora alunos com dificuldades de comportamento, dificuldades de aprendizagem e outras, que não são propriamente deficiências, perturbando deste modo a vida nas escolas".
Também Maria José Viseu, Presidente da comissão instaladora da nova Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), concorda que "o diploma sobre educação especial vai provocar instabilidade, porque vai colocar de fora muitos alunos, como os disléxicos, o que irá afectar o funcionamento quer da sala de aula quer da própria escola".
"Foi um ano crítico, com muita produção legislativa a surgir a meio dos períodos, que vai ter implicações sobretudo a partir do próximo ano lectivo, mas que já este ano veio criar instabilidade dentro das próprias escolas", disse, realçando que o ano ainda não terminou já que hoje se iniciam os exames nacionais dos ensinos básico e secundário, "uma época complicadíssima, que causa grande ansiedade às crianças".
Apesar de toda esta agitação, Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), considera que o ano primou pela "normalidade", já que a "movimentação dos professores pelos seus interesses legítimos não transportou nenhuma consequência negativa para as salas de aulas".
Lisboa, 17 Jun (Lusa) - RCS
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