sexta-feira, 20 de junho de 2008

Férias na Educação sem tréguas à vista

Reformas polémicas. Contestação sem precedentes. O ano lectivo 2007/2008 termina marcado pelo conflito entre professores e Ministério da Educação.
A "Marcha da Indignação" marcou o calendário lectivo. No dia 8 de Março de 2008 cerca de 100 mil professores e educadores de todo o país rumaram a Lisboa numa manifestação contra a actuação do Ministério da Educação, personificada em Maria de Lurdes Rodrigues. Numa classe profissional constituída por 143 mil docentes, as organizações sindicais congratularam-se pela presença em peso de quase 70% dos seus representantes. Uma demonstração de força sindical perante a intransigência ministerial.

Porque se indignam os professores? Foram vários os pontos que neste ano lectivo originaram um agravar do mal-estar que se tem vindo a sentir na classe: o modelo de avaliação do desempenho docente, o regime de autonomia e gestão escolar, as reformas no ensino Especial e no Artístico e a indisciplina e violência nas escolas, trazida à discussão pública pelo mediatizado caso "Carolina Micha¿lis".

Apesar de a contestação dos professores ter marcado este ano lectivo, Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), faz um balanço positivo da actuação da classe nesta matéria. "A luta não pôs em causa as aulas, nem prejudicou os interesses dos alunos e isso foi um sinal de maturidade democrática da sociedade portuguesa", refere.

Avaliação: o consenso possível
No balanço sobre a forma como decorreu o ano lectivo, Álvaro Almeida dos Santos, presidente do Conselho das Escolas, um órgão consultivo do Ministério da Educação, faz uma síntese em torno da questão da avaliação do desempenho docente. A mais polémica de todas.

"Houve uma solução consensual, mas a discussão esgotou-se na espuma dos problemas e foi pouco objectivada", lamenta Álvaro Almeida dos Santos, deixando claro que "o grande desafio" no próximo ano lectivo será o de saber "como transformar a avaliação num instrumento de melhoria da qualidade do ensino nas escolas e de como a integrar numa organização escolar colectiva enquanto estratégia para melhorar o desempenho de todos".

A ideia já foi várias vezes repetida. Mas vale a pena insistir. "Os professores não estão contra a avaliação, estão contra este modelo que o Ministério da Educação impôs", sublinha Manuela Mendonça, dirigente sindical da Federação Nacional dos Professores (FENPROF).

A posição crítica daquela plataforma sindical resume-se assim: "o modelo é orientado para o controlo administrativo da profissão e para criar restrições à progressão na carreira". Igualmente grave é a realização da avaliação estar prevista "em momentos do ano escolar (início e fim do ano lectivo) em que vai obrigar os professores a enredarem-se em múltiplas exigências burocráticas no âmbito do processo, deixando de poder concentrar-se no essencial, que é o trabalho com e para os alunos", acusa Manuela Mendonça. Por tudo isto, a Fenprof vai construir um "modelo alternativo" ao proposto pelo Ministério da Educação, que espera vir a ser discutido no decorrer do próximo ano lectivo.

Regime de Autonomia e Gestão Escolar
Apresentado como uma forma de garantir a participação da comunidade na definição das políticas da escola, o novo regime de Autonomia e Gestão Escolar mereceu de imediato a contestação dos professores. Quer ao facto de o diploma prever a figura do "director da escola" em detrimento dos actuais conselhos executivos. Mas sobretudo porque, numa primeira versão, depois alterada, o diploma não permitia aos professores presidirem ao Conselho Geral, um órgão de direcção das escolas responsável pela eleição ou destituição do "director da escola" e onde vão estar representados: professores, pessoal não docente, alunos, encarregados de educação, autarquias e comunidades locais.

Álvaro Almeida dos Santos viu esta alteração como "um aspecto muito positivo", revelador da "confiança" na capacidade dos professores para a direcção e gestão das escolas. Isto numa altura em que já se admitia a possibilidade de uma gestão de tipo empresarial dos estabelecimentos de ensino. "Os professores vão continuar a poder presidir à escola", insiste o presidente do Conselho das Escolas. Ele que é também presidente do conselho executivo de uma escola. Por isso fala com conhecimento de causa: "Há colegas que fizeram mestrados e formação em organização administrativa de escolas e que têm de ser aproveitados [neste novo regime de gestão escolar]."

Reformas polémicas: ensino artístico...
A 15 de Fevereiro, uma "manifestação concerto" reúne cerca de 400 pessoas, entre professores e alunos de Música dos conservatórios de Lisboa, Aveiro e Coimbra e outras figuras da cena musical. Tocam juntos em frente à Assembleia da República. A ideia é não permitir que a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, faça ouvidos surdos aos protestos contra a reforma do ensino artístico especializado.

Se entrar em vigor este ano lectivo, tal como estava previsto, a reforma vai alterar o funcionamento das escolas de música especializadas transformando-as em estabelecimentos de ensino integrado onde se vão leccionar não só as disciplinas musicais mas também as de carácter geral. Com esta alteração acaba o regime supletivo, que até agora tem permitido aos alunos frequentarem duas escolas diferentes consoante as disciplinas: as musicais no Conservatório e as de carácter geral numa escola do ensino regular.

Os manifestantes acusam a ministra de querer acabar com a profissionalização de músicos em Portugal. Em resposta, o Ministério da Educação garante que serão assegurados os mecanismos de transição bem como os percursos educativos dos alunos implicados na mudança. A medida é descrita como visando a democratização do ensino da música através de uma reorganização da sua oferta nas escolas dos ensinos Básico e Secundário.

... e no ensino especial
A mesma indignação contra o Ministério da Educação reúne pais e professores de alunos com necessidades educativas especiais, bem como representantes de algumas associações de pessoas com deficiências. O alvo do protesto: a reforma do ensino especial que entrava em vigor em Janeiro de 2008.

De acordo com o Ministério da Educação, a reforma pretende fomentar a integração das crianças com certas deficiências no ensino regular, sendo que aí deveriam receber o apoio educativo especial. Logo após a entrada em vigor do diploma, a tutela foi acusada de estar a rejeitar o encaminhamento de alunos com vários tipos de incapacidades para escolas do ensino especial, acabando com o financiamento integral à sua permanência em colégios especializados.

O decreto-lei contempla uma redefinição do perfil do aluno a ser objecto de encaminhamento para o apoio especializado que vários investigadores na área da Educação Especial consideram "ambígua". Face ao escrito no documento ,seriam encaminhados para o ensino especial apenas os "alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente".

Perante as acusações vindas a público de que mais uma vez o Ministério da Educação estaria a colocar a vertente economicista acima dos interesses dos alunos, Maria de Lurdes Rodrigues menciona apenas que a implementação do novo "modelo de integração" está a ser acompanhada por "peritos".

Indisciplina e violência nas escolas
O caso resume-se num parágrafo, mas já fez correr muita tinta e há quem o veja como uma "mancha" neste ano lectivo que agora termina.

Uma aluna da Escola Secundária Carolina Michaelis, no Porto, agredia uma professora por esta lhe ter retirado o telemóvel durante uma aula, enquanto um colega filmava a agressão e a restante turma assistia. O vídeo correu a Internet e as televisões. A professora apresentou queixa, apenas uma semana após o incidente. A escola abriu um processo de averiguação. A aluna que protagonizou a agressão e o colega que a filmou foram transferidos de escola. Um outro que terá dificultado a ajuda dos colegas à professora foi suspenso.

Sem entrar em discussões sobre as causas e as consequências do caso, Albino Almeida, presidente da CONFAP, salienta a "oportunidade de discussão" originada em torno da questão da violência nas escolas. Um problema que considera ser "antigo" mas que finalmente deixou de ser apenas uma "preocupação" e passou a ser objecto de "intervenção". Prova disso, refere, a vontade do Governo em alargar o programa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. De resto, aguardam-se mais desenvolvimentos sobre esta matéria.

Manuela Mendonça, da FENPROF, também espera que o Ministério da Educação tome "medidas necessárias e urgentes que garantam aos docentes a imprescindível segurança e estabilidade no exercício da sua profissão". A dirigente sindical recorda que ao agravamento das situações de indisciplina e violência nas escolas "não é alheia a forma como o próprio Ministério da Educação tem desautorizado publicamente os professores".

Álvaro Almeida dos Santos faz uma leitura diferente do caso, dizendo que este foi objecto de uma "amplificação" sem precedentes. Para o presidente do Conselho das Escolas, os estabelecimentos de ensino "continuam a ser maioritariamente espaços seguros" e os professores da escola pública são "profissionais que merecem o reconhecimento da sociedade pelo trabalho que desenvolvem".

Aguardam-se novos desenvolvimentos de todas estas questões. Até porque as escolas estão a encerrar para férias e não são de esperar "soluções milagrosas" antes de Setembro.
Tudo vai continuar em aberto e a marcar a agenda reivindicativa do próximo ano lectivo.



Andreia Lobo| 2008-06-20

1 comentário:

Anónimo disse...

Anunciou hoje o Primeiro-Ministro a expansão do programa e-escola aos alunos que frequentam o terceiro ciclo (12-14 anos de idade). Direi que deveremos viver num mundo que nada tem a haver com a realidade do dia a dia do que é uma escola e das prendas que este governo lhe oferece.
Amanhã, qualquer menor, sem autorização dos pais e a coberto da legislação, poderá começar a praticar qualquer tipo de crime informático quando, onde e como quiser, a coberto das políticas de educação deste governo.
Acho que a demagogia que o actual governo demonstrou hoje é o de um completo descalabro e de vender por completo a escola pública; sim, porque estas medidas AVULSAS nada têm a haver com quem chega à escola com a barriga vazia ou que vai ter que esperar dez ou quinze anos para ter acesso a uma consulta de dentista e ter hipóteses de começar a tratar dos seus dentes. Infelizmente o senhor Sócrates não convida e senta-se à mesma mesa com esses miúdos cheios de fome e com os dentes pobres.
Hoje o país ficou a conhecer como a política de educação consegue baixar ao nível zero com este governo.