Carta aberta ao Sr Procurador-Geral da República
Ílhavo, 11 de Fevereiro de 2008
Senhor Procurador-Geral da República
Excelência:
Temos assistido, nos últimos tempos, a uma campanha de desmoralização, desautorização e humilhação dos professores.
Esta tentativa de “diabolização” dos professores assenta em duas mentiras:
Primeira - sendo funcionários públicos são gastadores dos impostos de todos os cidadãos (como se eles os não pagassem também);
Segunda - não fazem nada, trabalham pouco, têm muitas férias e os alunos não aprendem.
Debrucemo-nos sobre a segunda porque a primeira não merece a atenção de ninguém minimamente inteligente.
A - Aposentei-me no dia 1 de Novembro do ano passado e só no dia 21 de Janeiro deste ano entrou ao serviço um novo professor para me substituir.
Isto quer dizer que as cinco turmas que eu tinha (quatro do 1º ano dos Cursos de Educação e Formação - CEF e uma do segundo ano dos mesmos cursos) estiveram mais de oito semanas sem aulas de Ciências Físico-Químicas ( quatro semanas em Novembro, duas em Dezembro e duas semanas e dois dias em Janeiro).
Isto significa que, no primeiro ano, os alunos perderam, no mínimo, 24 tempos lectivos de 45 minutos cada (três por semana) e no segundo ano perderam, no mínimo, 16 tempos lectivos de 45 minutos cada (dois por semana).
Acresce o facto de no segundo ano a parte lectiva terminar no dia 31 de Maio para os alunos entrarem em estágio no dia 1 de Junho. Como terá de ser cumprido um número fixo de horas predeterminado o novo professor terá de dar aulas na Páscoa, aos sábados e, provavelmente, também aos domingos. Afinal, os professores nem são assim tão maus já que deles até se espera que façam milagres… No fim os alunos passam na mesma e foram quase três meses de vencimento que o governo poupou.
Mas desta falta de respeito que o governo mostra pelos professores, alunos e suas famílias o povo não sabe porque não convém que saiba para não estragar a imagem de sucesso tão querida dos governantes.
Quem pede contas ao governo por mais de oito semanas de aulas perdidas e por mais de dois meses e meio para a substituição de um professor? Quem é responsável por tamanha incompetência? Em que normas, regras, procedimentos, directivas, despachos e portarias esteve retida a simples substituição de um professor? Na classificação do desempenho do governo que nota lhe seria atribuída?
B - Quando os professores começarem a exigir cumprir as 35 horas de trabalho na escola, as escolas ficarão bloqueadas.
De facto, onde está escrito no contrato de trabalho entre o governo e um professor que o seu escritório será uma extensão da escola sem que receba pagamento pelo aluguer? Onde está escrito que terá de usar o seu computador, o seu tinteiro, a sua impressora e outro material no serviço da escola?
Quando os professores começarem a exigir gabinetes para preparem aulas, corrigirem testes, computadores para planeamento de aulas e elaboração de testes e relatórios onde estará o espaço para os albergar?
C - Se a progressão dos professores na sua carreira passar a depender, também, das classificações obtidas pelos alunos, Portugal correrá o sério risco de se transformar na aberração de ser um país só de génios com um QI, no mínimo, igual ao de Einstein.
De facto, qual será o professor que correrá o risco de dizer que, dos seus alunos, cinco, três, ou mesmo um só, não conseguiram transitar de ano? Um professor, tal como qualquer outro mortal, tem uma casa para pagar e uma família para sustentar e se o governo quer que o aluno passe mesmo sem saber, assim será feito.
Cairemos, então, no poço sem fundo da maior mentira e da maior vergonha do ensino público.
Se actualmente, nos CEFs, os alunos podem fazer o que lhes apetecer porque nem as faltas disciplinares assentes em participações relatando os comportamentos impróprios dos alunos aparecem registadas nas pautas, como se nada tivesse acontecido, para que é que hão-de estar com atenção e esforçarem-se nas aulas para aprenderem e assimilarem comportamentos sociais correctos se, no final do ano, o professor irá vender a sua assinatura a troco de pão na mesa? E quem lho poderá levar a mal já que é o governo que para isso o empurra encostando-lhe a faca ao peito?
Quem quer acabar com a dignidade dos professores? Quem quer destruir o ensino público? Quem anda a brincar com os professores, os alunos e as famílias? Quem anda a hipotecar o futuro do País?
Os professores não são, de certeza.
Agradeço que mande alguém investigar.
Grato pela atenção
Domingos Freire Cardoso
Professor aposentado de Ciências Físico-Químicas
Rua José António Vidal, nº 25 C
3830 - 203 ÍLHAVO
Tel. 234 185 375 / 93 847 11 04
E-mail: dfcardos@gmail.com
O agradecimento de Domingos Cardoso
Até este momento já recebi 566 mails para além de alguns telefonemas e mensagens de telemóvel.
Na impossibilidade de responder individualmente a cada um como tenho feito até aqui, e como gostaria de continuar a fazer, vejo-me obrigado a fazer este “agradecimento único” para poupar tempo pois tenho passado várias horas a responder a todos como é minha obrigação.
A todos agradeço as palavras de apoio e a todos digo que é preciso que escrevam ao PR a contar as histórias que me têm contado e dar os testemunhos que me confiaram. Sei que eu não posso fazer mais nada. Se o PR receber centenas de cartas vossas há-de pensar duas vezes e irá perguntar ao governo o que se passa nas escolas.
Como me disse uma Colega por telefone os professores só se queixam na sala dos professores mas não dizem nem fazem mais nada.
Eu sei que cada um sabe de si e tem os seus motivos para assim proceder. Mas o que é que nos pode acontecer por contar as verdades?
É preciso começar a agir!!!!
Vamos iniciar um movimento “bola de neve” que arrase “aquela gente” de Lisboa que nunca deve ter enfrentado uma turma de alunos deste género.
É preciso darmo-nos ao respeito se queremos ser respeitados!!!
E se algum aluno se interessar tanto pelo vosso bem-estar ao ponto de vos dizer “vá para ali!, vá para acolá!” apresentam queixa na Polícia para ver o que acontece…
Para ser totalmente honesto com vocês preciso de vos dizer que estou reformado desde o dia 1 de Novembro. Se tivesse de estar na escola mais umas semanas desataria a distribuir bofetadas a torto e a direito para suprir o elevado défice de educação destes jovens (Será politicamente correcto dizer isto?)
Tenho outra coisa para vos dizer: por uma questão de cortesia dei o rascunho desta carta a ler à Presidente do C. Executivo da minha escola tendo eu assumido o compromisso de omitir o nome da escola onde estas cenas se têm passado (e deverão continuar a passar). Portanto, estes “desacatos” não se têm passado em Ílhavo, a minha terra, mas numa escola do Porto.
Um abraço Amigo
Domingos Cardoso
2 comentários:
Obrigada, colega. Eu também acredito que, se nor unirmos, teremos realmente muita força e se batermos todos o pé em uníssono faremos tremer o país! Já era hora.
Consegui-lo-emos com muitos mais exemplos como o seu. Temos que escrever, mostrar a realidade, para tudo quanto é espaço de opinião. Temos de nos levantar, finalmente!
E os cursos do PIEF são a mesma fantochada! Dezenas/centenas de faltas que são limpas nas pautas. E os pais dos outros alunos perguntam porque é que os seus filhos não recebem dinheiro para o pequeno-almoço como os do PIEF!
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