Volto hoje a escrever sobre Educação motivado, sobretudo, pelos desenvolvimentos recentes, que instalaram um clima de guerra civil no sector que, muito sinceramente, não vai aproveitar às partes envolvidas (Governo, professores e sindicatos, alunos e pais) e tornará Portugal no maior vencido desta batalha. Explicarei porquê nas linhas que se seguem.
O ponto máximo da discórdia é, hoje, o processo de avaliação dos docentes que já se encontra em curso, e que tem motivado as maiores manifestações, jamais vistas no nosso país.
Antes de mais quero deixar bem claro que considero a avaliação absolutamente imprescindível em qualquer profissão – e, por maioria de razão, para quem exerce a nobre actividade de ensinar. Aliás, no mercado de trabalho em geral, a avaliação é a regra, e não a excepção: a progressão na profissão e os aumentos salariais dos empregados dependem do trabalho desenvolvido e da avaliação dos superiores hierárquicos ou dos patrões.
Sucede que, no caso em questão, o processo de avaliação, para além de (erradamente) centralista, é inacreditavelmente burocrático e complexo, afastando os professores do que devia interessar (a arte do ensino e as aulas) e fazendo-os gastar energias com o que é supérfluo. Apetece perguntar: terá o sector da educação ficado de fora do "simplex" quando este foi criado?.... É que contas fáceis de fazer indicam que cada professor que avalia seis colegas docentes (sim, os professores avaliam-se uns aos outros, imagine-se!...) gastará por ano mais de 400 horas (!) neste processo, tendo que preencher uma grelha com mais de 20 páginas, quase 300 registos de avaliação e mais de 600 registos de observação de aulas!... Não é, assim, surpreendente que mais de 10% das cerca de sete mil escolas que existem no País já tenham suspendido este autêntico martírio – ainda que a ministra da Educação, com um autismo extraordinário, continue a negar esta realidade ("Não me passa pela cabeça que as escolas desobedeçam"... Ai não?!...).
É para mim difícil de entender por que continua o Governo a optar por um modelo de avaliação assente numa fúria centralizadora que, historicamente, tem contribuído para produzir os medíocres resultados que se conhecem na nossa Educação – ao invés de olhar para as melhores práticas europeias, em que a autonomia das escolas é respeitada, sendo os seus responsáveis directivos ajudados pela comunidade e pelos pais, e complementada por uma avaliação externa à luz de critérios objectivos e comparáveis (e, como tal, inatacáveis) como, por exemplo, a realização de exames nacionais e de acções de inspecção efectuadas por entidades devidamente credenciadas para o efeito pelo Ministério da Educação (que cuidaria, assim, apenas da definição estratégica e do rumo geral a seguir). E depois, ao reagir de forma ríspida, a roçar a arrogância, a ministra tem agravado ainda mais os ânimos, parecendo já ter perdido irremediavelmente o controlo da situação. Claramente, o Governo errou no conteúdo e na forma em todo este processo. E, sinceramente, não vejo como poderá dar a volta por cima…
Mas também os professores e os sindicatos perdem aos olhos da sociedade. Porque, quer se queira, quer não, a ideia com que se fica é que se encontram contra a avaliação – esta ou qualquer outra. Ora, ao contrário da ideia que tem sido transmitida pelo Executivo, os sindicatos apenas concordaram em Abril último com os timings propostos pelo Governo para a aplicação da avaliação – e não com o processo de avaliação propriamente dito. Contudo, também é verdade que, desde então para cá, tiveram tempo de sobra para apresentar uma avaliação alternativa. E, que se saiba, isso não sucedeu… Logo, a ideia que passa é que sindicatos e professores em geral querem que tudo fique na mesma, isto é, que a progressão seja feita simplesmente pela passagem dos anos, seja qual for o desempenho, e independentemente de se faltar muito ou pouco, de serem produzidos resultados, de haver ou não empenho. O que é inaceitável: não só é um prémio aos medíocres, como castiga e desmoraliza os bons profissionais. Isto para além de ser patético que a classe profissional que mais avalia tenha a imagem de ser a que mais resiste a ser avaliada – com o que só se desprestigia, ao contrário do que bem precisa…
Finalmente, os alunos e os pais também perdem: porque a verdade é que uma alteração estrutural que foi tentada é um rotundo fracasso. E porque a preocupação do Ministério da Educação, de melhorar a qualquer preço as estatísticas do abandono e do aproveitamento escolar (só assim se compreendem o Estatuto do Aluno – que praticamente acaba com as reprovações por faltas, afastando-se, por isso, do desejável caminho do rigor, da exigência e da justiça – e a progressiva maior facilidade dos exames nacionais do 9º e 12º anos), não contribuirá para formar uma população melhor preparada para abraçar mais tarde uma carreira profissional, mascarando uma situação que continua a ser trágica.
Creio que se percebe assim, caro leitor, por que referi, no início deste texto que, no final, Portugal é o grande derrotado: como é sobejamente conhecido, a qualificação dos recursos humanos é o factor de desenvolvimento sustentado mais importante para um país. Ora, como as comparações internacionais bem mostram, a população portuguesa é pouco qualificada – pelo que, tendo em conta o clima de guerra civil instalado, as evoluções recentes e o caminho que o Governo tem vindo a percorrer, o nosso país continuará, tristemente (e ao contrário do que deveria ser a nossa ambição), a divergir e a ver a uma distância cada vez maior o grupo dos países mais desenvolvidos da Europa.
Miguel Frasquilho
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