domingo, 2 de novembro de 2008

Exmos Senhores
Presidente da Assembleia da República
Primeiro-Ministro
Ministra da Educação
Provedor de Justiça
Presidente da Comissão Parlamentar de Educação
Directora Regional de Educação do Norte
Presidente da Assembleia de Escola
Presidente do Conselho Pedagógico
Presidente do Conselho Executivo
Membros da Comissão de Avaliação
Coordenadores de Departamento


Os professores da Escola Secundária de S. Pedro, em Vila Real, abaixo assinados, considerando que o processo de Avaliação do Desempenho Docente instituído pelo Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, assenta num equívoco legislativo, sistematicamente contornado com decisões de legalidade que, no mínimo, suscitam dúvidas, vêm expor a V. Ex.as alguns aspectos que tornam, no seu entendimento, todo este processo arbitrário, injusto e inexequível na sua aplicação e, como tal, sem qualquer relevância para o desenvolvimento profissional dos docentes e, consequentemente, esvaído de qualquer contributo para a melhoria do ensino e da escola pública.

Os seus signatários são defensores de um modelo de avaliação que se norteie por efectivas preocupações de valorização profissional dos docentes, numa perspectiva formativa e não penalizadora, propiciadora de uma diferenciação pela positiva.
São de vária ordem os fundamentos que levam os signatários a solicitar a intervenção de quem de direito.

Questões de âmbito conceptual:

1) A valorização profissional não se restringe a um mero enunciado cumulativo e sumativo, conforme a intencionalidade preponderante deste modelo de avaliação.

2) Os critérios de avaliação estabelecidos no modelo expressam condicionalismos graves por imporem a aferição entre variáveis de todo fora da capacidade de intervenção do docente, como são os casos dos resultados escolares dos alunos e do abandono escolar, aspectos bem evidenciados nas Recomendações nº 2/CCAP/2008, de 7 de Julho, emanadas pelo Conselho Científico para a Avaliação de Professores, que, no seu ponto 4, se pronuncia, e passamos a citar “(…) De momento, não existem instrumentos de aferição para determinar com objectividade o progresso dos resultados escolares dos alunos, dada a multiplicidade e complexidade dos contextos em que as aprendizagens se fazem(…)”. Ainda no mesmo documento se pode ler: “(…) No contexto de complexidade do processo de aprendizagem, não é possível determinar e aferir com rigor até que ponto a acção de um determinado docente foi exclusivamente responsável pelos resultados obtidos, conforme a literatura científica consensualmente refere (…).” No ponto 4.6 deste mesmo documento, o Conselho Científico para a Avaliação de Professores refere, e citamos, “(…) No caso particular da aplicação do processo de avaliação de desempenho no ano escolar de 2008-2009, o progresso dos resultados escolares dos alunos não seja objecto de aferição quantitativa (…)”. Relativamente ao segundo aspecto, abandono escolar, deveria ser de todos, sobejamente, conhecido que as causas deste gravíssimo e dramático fenómeno são múltiplas e complexas, combinando-se de forma interdependente (Lee & Ip, 2003). Apraz-nos elencar as mais pertinentes: dependem da escola, do indivíduo e do contexto externo (Abbot, Hill, Catalano & Hawkins, 2000); do insucesso escolar, das reprovações, da indisciplina, do absentismo, das atitudes negativas em relação à escola (Almeida & Ramos, 1992); dos problemas sociais, das expectativas, do número de alunos por turma demasiado elevado, da falta de resposta às necessidades e preocupações dos alunos, das ofertas curriculares reduzidas por parte das escolas, dos alunos serem mais velhos que a maior parte dos colegas (Beekhoven & Dekkers, 2005); dos factores familiares, económicos, sociais e demográficos (Nowicki, Duke, Sisney & Tyler, 2004); e são múltiplas, internas e externas à instituição escolar (Benavente et. al., 1994). Conforme é referido por vários autores (e. g. Janosz, Le Blanc, Boulerice & Tremblay, 2000; Lee & Ip, 2003; Christenson & Thurlow, 2004; Nowicki, Duke, Sisney, Stricker & Tyler, 2004), a redução deste fenómeno apenas poderá ser perspectivada a partir de uma intervenção que abranja todos os sistemas em que o indivíduo está inserido, o seu sistema familiar, a escola e as políticas educativas ao nível nacional.

3) No âmbito das diferentes dimensões em que se desenvolve a profissão docente, o Conselho Científico para a Avaliação de Professores, no ponto 1.3 das Recomendações nº 2/CCAP/2008, de 7 de Julho, é inequívoco ao referir, e passamos a citar, “(…) Cada escola centre o seu esforço e atenção fundamentalmente sobre a dimensão do desenvolvimento do ensino e das aprendizagens, articulando-a com as restantes dimensões, de acordo com a própria situação particular e a dos respectivos avaliados (…).” o que, na realidade, não é respeitado neste modelo de avaliação ao dar enfoque a dimensões perfeitamente marginais ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

4) Os instrumentos de registo que integram o modelo de avaliação de desempenho docente não seguem os preceitos científicos necessários, com consequências negativas na indispensável robustez que os deveriam nortear. É sempre bom lembrar que este se refere a um instrumento “ad hoc”, ou seja, feito à medida, que pretende medir o desempenho e, por conseguinte, interferir na gestão do pessoal docente. Conforme se poderá entender facilmente, a sua formulação não deve, nem pode, resultar de um processo onde a superficialidade e a ligeireza vigorem. Exige-se, por conseguinte, que a elaboração destes instrumentos siga todos os procedimentos científicos e metodológicos que os regem, no sentido de reduzir ao máximo a subjectividade que os enformam e de isolar a interferência negativa que os fenómenos associados à observação e à avaliação encetam, nomeadamente, a reactividade, relativo ao avaliado, a expectância, relativo ao avaliador, bem como, o efeito de halo, o efeito da tendência central, o efeito da generosidade, o efeito da mediocridade e demais erros que o sistema parece induzir. Neste âmbito, a premissa que deve estar sempre presente é-nos referida por Anguera (1990), uma das melhores especialistas nesta temática, citamos, “jamais se poderá medir o que não se pode definir”, fim de citação.

5) Pelas consequências que emergem da aplicação deste modelo de avaliação, os instrumentos que o integram não se encontram devidamente testados, ou seja, nada se sabe sobre a sua fiabilidade, validade e objectividade, requisitos estes elementares na garantia do controlo e consistência dos dados que se irão registar. Sobre este assunto, o Conselho Científico para a Avaliação de Professores, nas suas Recomendações nº 2/CCAP/2008, de 7 de Julho CCAP, ponto 4, refere mesmo que, e citamos, “(…) A produção de instrumentos de aferição fiáveis e de reconhecida credibilidade científica é uma tarefa complexa e morosa, a desenvolver por instâncias competentes e alheias ao processo de avaliação de desempenho (…)”, fim de citação.

6) No que se refere aos avaliadores, reconhece-se hoje que as competências evidenciadas por muitos docentes no domínio da supervisão pedagógica e da avaliação de desempenho não são linearmente transferíveis para o sistema de avaliação inter-pares. Conforme refere o Conselho Científico para a Avaliação de Professores, a formação dos avaliadores e avaliados deve ser obrigatória e objecto de uma rigorosa acreditação se pretendermos perseguir a desejada credibilidade científica e pedagógica.

Questões de âmbito legal:

1) O artº 6º, ponto 2, do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, não é respeitado ao não serem tomadas em consideração as recomendações formuladas pelo Conselho Científico para a Avaliação de Professores (Recomendações nº 2/CCAP/2008, de 7 de Julho).

2) A imprecisão expressa no artº 8º, ponto 1, alínea b), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, no que ao contexto socioeconómico se reporta.

3) O carácter, extremamente, subjectivo inerente à definição dos objectivos individuais conforme o estipulado no artº 9º, ponto 2, alínea e), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro (relação com a comunidade).

4) A avaliação efectuada pelo coordenador de departamento curricular estar imbuída de grande subjectividade nos moldes em que a mesma é considerada no artº 17º, ponto 1, alínea c), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro (ponderação do envolvimento e relação pedagógica com os alunos).

5) A obrigatoriedade de definição de objectivos individuais capturados por condicionalismos que escapam ao controlo do docente conforme o expresso no artº 9º, ponto 2, alíneas a) e b), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro (resultados escolares e abandono escolar dos alunos).

6) O pressuposto de um carácter igualitário em todos os alunos/turmas ao extrapolar médias de uma disciplina para as demais médias do ano de escolaridade e das outras disciplinas curriculares (artº 16º, ponto 5, alínea b), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro).

7) A desigualdade promovida ao serem contemplados, e comparados, os resultados escolares dos alunos com as provas de avaliação externa (artº 16º, ponto 5, alínea c), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro), agravada pelo facto de se estarem a comparar procedimentos distintos no processo de avaliação.

8) A arbitrariedade que o artº 21º, ponto 4, do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, gera (fixação de percentagens máximas para a atribuição das classificações de Muito Bom e Excelente) ao originar uma lotaria em função da escola onde se lecciona.

9) O limitar de um direito através do artº 21º, ponto 5, do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, exigindo 100% de cumprimento do serviço lectivo para a menção qualitativa de Excelente.


10) O não cumprimento do artº 29º, alínea b), do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, cria desigualdades num processo que se pretende igualitário (avaliação do coordenador de departamento por um inspector com formação científica na área do departamento do avaliado).


11) A injustiça e arbitrariedade de um concurso que atribuiu, de um modo casuístico, as “competências” de avaliador.


12) A legalidade da imposição de uma “derrapagem orçamental” determinando, com carácter de retroactividade, uma alteração ao decreto que regulamenta a avaliação dos professores, dispensando as escolas da obrigatoriedade de publicar a delegação de competências em Diário da República, através da aplicação dos efeitos legais de uma proposta de lei orçamental ainda não aprovada e que só entrará em vigor em Janeiro de 2009.


13) A base de sustentação legal para a criação de uma “central de dados” on-line como a agora anunciada aplicação informática, e já parcelarmente posta em prática, sem qualquer sustentação no articulado legal que consubstancia o Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, além de constituir uma violação grosseira do carácter particular que enforma a negociação dos objectivos individuais entre avaliador e avaliado.



Questões de âmbito pragmático:

1) Não está cientificamente fundamentado que se possa aferir, de um modo linear, uma relação entre avaliação diagnóstica, na sua verdadeira concepção, e os progressos escolares dos alunos.


2) Em várias disciplinas, o desenvolvimento das aprendizagens não assume um cariz linear e cumulativo, pelo que carece de fundamentação válida a hipotética aceitação da avaliação diagnóstica como um referencial a ser considerado no progresso dos resultados escolares dos alunos.


3) Como se processa o enquadramento da avaliação diagnóstica, como hipotético indicador de progressão, nas situações em que há mudança de ciclo de ensino e, especialmente, em disciplinas que nunca fizeram parte do currículo dos alunos?


4) A preocupação primeira inerente ao brio de todo o profissional é ter sucesso na sua actividade pelo que quantificar percentualmente, e à partida, o sucesso da sua actividade, e nos moldes em que o mesmo é proposto, expressa uma incoerência no objectivo primeiro da função docente.


5) A desigualdade originária de avaliadores com formação académica e científica distinta dos avaliados.


6) A injustiça resultante de avaliadores que apenas o são por condicionalismos casuísticos.


7) A aberração evidenciada em avaliadores com percursos académicos, científicos e profissionais, reconhecidamente, inferiores aos dos avaliados.


8) O carácter, extremamente subjectivo, de diferentes parâmetros de avaliação.


9) A formação inconsequente proporcionada aos avaliadores e, alguma dela, já com o processo a iniciar-se.


10) O desconhecimento da especificação dos descritores de vários itens (há 9? Há 7? A que corresponde o 9? E o 7? O que define o nível Bom? E o nível Regular? E o nível Muito Bom?).


11) Qual a exequibilidade de uma avaliação eficaz, num universo de 120/130 docentes, em grelhas com 85 descritores? Existem bases de dados concebidas, instrumentos de registo e dispositivos de controlo da informação que garantam rigor e objectividade aos processos de recolha, tratamento, organização, comparação e avaliação criteriosa desse caudal gigantesco de informação? Se existem, temos o direito de conhecê-los. Se não existem, o processo de avaliação está minado de amadorismo, subjectividade e injustiças relativas e absolutas.


12) Como se pode equacionar uma comparação entre as médias dos 1º e 3º períodos se as mesmas são reflexo de procedimentos assentes em critérios “limitativos” para o 1º, e definidos pelo Conselho Pedagógico, e critérios totalmente “abertos” para o 3º?


13) Será que a utilização dos resultados escolares e a análise da sua evolução para efeito da avaliação do desempenho se deve cingir a uma mera leitura estatística dos mesmos?


14) Que justiça existe num processo de avaliação que se pretende igualitário quando há tanta disparidade de actuação a nível das diferentes escolas?


15) Que igualdade se consegue vislumbrar num processo de avaliação em que as fichas de avaliação em que o mesmo assenta não têm uma aplicabilidade igualitária bastando que, para tal, nem todos os avaliados desempenhem cargos pedagógicos?


16) Num sistema educativo em que o docente é apenas um dos seus agentes que tem orientações definidas superiormente (programas, competências, currículos), qual a fundamentação científica que o responsabiliza, única e exclusivamente, pelo sucesso/insucesso desse mesmo sistema?


17) Qual a base científica em que assenta a ideia de que a melhoria dos resultados e a qualidade do ensino são directamente proporcionais à carga burocrática e extracurricular com que os docentes se vêem actualmente confrontados?


Assim, os signatários deste documento solicitam a V. Ex.as se dignem providenciar no sentido de que todas as arbitrariedades, injustiças, limitações, dúvidas e perplexidades aqui patenteadas, enquanto estruturantes e/ou originadas pela implementação deste processo de avaliação do desempenho docente, e que estão a ter repercussões negativas no desenvolvimento do que é a essência das funções de um professor, sejam definitivamente corrigidas, pelo que, até lá, se escusam a apresentar a sua definição de objectivos.

Os docentes abaixo assinados, conhecedores e admiradores do elevado sentido de justiça e do alto grau de exigência racional e de ética que Sua Ex.a o Senhor Provedor de Justiça costuma emprestar às Suas análises e às Suas decisões, solicitam, ainda, e de um modo muito particular, a Vossa Excia que se possa pronunciar relativamente ao conjunto de injustiças e de atropelos ao bom senso e, mesmo, à legalidade de que as medidas legislativas emanadas pelo Ministério da Educação, e aqui denunciadas, certamente, padecem.


Vila Real e Escola Secundária de S. Pedro, 28 de Outubro de 2008

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