quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Porquê?

Escola Secundária José Falcão. Coimbra

Porque é que os professores contestam este modelo de Avaliação do Desempenho Docente?

AS 10 PRINCIPAIS RAZÕES

O Professores têm a responsabilidade de fazer com que a escola eduque e ensine e os alunos aprendam, tornando-se cidadãos capazes de contribuir para um futuro melhor, pessoal e socialmente falando. Assim, não se questiona que haja um sistema de avaliação dos professores.

Mas o sistema de avaliação do desempenho docente consignado no Decreto Regulamentar n.º 2/2008 de 10 de Janeiro e nos diplomas que têm sido emanados do Ministério da Educação contém vários aspectos negativos que põem em causa a qualidade e a justiça da avaliação do desempenho docente e, pior ainda, comprometem a existência de uma escola pública de qualidade.

Seguem, em suma, as 10 principais razões que levam os professores a contestar este modelo de avaliação:

1.ª O facto de os professores serem avaliados tendo em conta «a melhoria dos resultados escolares dos alunos» (ponto 2, alínea a), do artigo 9.º do referido DR n.º 2/2008), nomeadamente (Despacho n.º 16872/2008, de 23 de Junho, anexo IV, parâmetro 7),

a) o progresso dos resultados escolares dos seus alunos no ano /disciplina, relativamente aos resultados atingidos no ano lectivo anterior;

b) a evolução dos resultados escolares dos seus alunos relativamente à evolução média

- dos resultados dos alunos daquele ano de escolaridade ou daquela disciplina naquele agrupamento de escolas ou escola não agrupada;

- dos mesmos alunos no conjunto das outras disciplinas da turma no caso de alunos do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário;

c) as classificações nas provas de avaliação externa e respectiva diferença relativamente às classificações internas.

2.ª O facto de os professores serem avaliados tendo por referência «a redução do abandono escolar» (ponto 2, alínea b), do artigo 9.º do DR n.º 2/2008).

3.ª A avaliação dos professores titulares ser feita pelos seus pares (artigo 12.º do DR n.º 2/2008).

4.ª A avaliação dos professores titulares poder ser feita por professores de escalão inferior ao seu.

5.ª A avaliação dos professores poder ser feita por professores com habilitação académica inferior à do avaliado ou com habilitação científica diferente da do avaliado (pontos 2 a 5 do artigo 12.º do DR n.º 2/2008).

6.ª A existência de quotas («percentagens máximas» de atribuição de Excelentes e de Muito Bons) diferentes de escola para escola (artigo 46.º, ponto 3, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19/1 (Estatuto da Carreira Docente); artigo 21.º, ponto 4, do DR n.º 2/2008 e Despacho n.º 20131/2008, de 30/7).

7.ª A distribuição de quotas por «universos de docentes» (ponto 6 do Despacho n.º 20131/2008, de 30 de Julho).

8.ª Serem avaliados professores que estão no topo da carreira, muitos deles a menos de quatro anos do limite para atingir normalmente a idade da aposentação.

9.ª A complexidade e burocratização do processo, com reflexos negativos para a vida nas escolas, para os professores e, naturalmente, para o ensino.

10.ª A heterogeneidade de procedimentos na avaliação de escola para escola (artigo 6.º, pontos 1 e 2 do DR n.º 2/2008).

Desenvolvimento das 10 razões enunciadas

1.ª O facto de os professores serem avaliados tendo em conta «a melhoria dos resultados escolares dos alunos»

Este parâmetro é considerado inaceitável pelos professores, porque a melhoria dos resultados escolares dos alunos não é directamente proporcional aos esforços envidados pelos docentes, antes dependendo de uma miríade de variáveis por eles não controláveis1.

Trata-se de uma disposição que constitui uma inversão de valores e de responsabilidades, algo que põe em sério risco a escola pública. Os alunos não são objectos; são agentes da sua própria aprendizagem e têm uma grande responsabilidade nela, assim como os pais e os encarregados de educação.

11 motivos para rejeitar este parâmetro de avaliação

Em primeiro lugar, vamos considerar cinco motivos directamente decorrentes do estipulado no Despacho n.º 16872/2008, de 23 de Junho, anexo IV, parâmetro 7, depois, seis gerais, ainda de maior importância.

1. É exigido aos professores que os seus alunos tenham melhores resultados do que os que obtiveram no ano lectivo anterior. Tal contende essencialmente com os quatro factores que se apresentam de seguida:

1.1. Na maior parte das vezes, o professor tem alunos que não foram seus no ano anterior, ou porque o professor mudou de escola, ou porque os alunos estão a começar um ciclo (5.º ano, 7.º ano, 10.º ano), ou porque vieram de outras escolas, ou porque mudaram de turma, ou porque o Conselho Pedagógico da escola estipulou (segundo, por exemplo, orientações da tutela para a distribuição de serviço) que determinados anos ou disciplinas fossem atribuídos a professores com determinadas condições (professores do quadro da escola ou com determinadas habilitações). Ora, por este parâmetro, o professor de anos mais adiantados é responsabilizado pela melhoria da classificação obtida pelo aluno no ano anterior, classificação essa pela qual ele não foi minimamente responsável.

1.2. Por outro lado, o grau de exigência da disciplina aumenta, naturalmente, com o ano de escolaridade, não só no que diz respeito à complexidade de conceitos ou de conteúdos como ao trabalho exigido ao aluno, o que faz com que seja natural alguma descida de resultados.

1.3. Há ainda a considerar a idade dos alunos e o sexo: diversos estudos mostram que há idades mais críticas, com factores que interferem no grau de atenção e de interesse pelo estudo e pela escola.

1.4. E há essencialmente a considerar o próprio aluno, que, por diversos factores, pessoais, familiares ou sociais, a que o professor é totalmente alheio, age como sujeito próprio, com maior ou menor qualidade nos seus próprios resultados.

Estes factores não são controláveis pelo professor, pelo que este não pode ser responsabilizado por resultados em que intervêm factores que ele não controla.

2. O normativo prevê que os professores sejam avaliados tendo em conta a evolução dos resultados dos seus alunos relativamente à evolução média dos resultados dos alunos daquele ano de escolaridade, ou seja, por exemplo, numa turma de 7.º ano, os resultados têm de ser iguais ou melhores do que a média dos resultados do conjunto das turmas de 7.º ano daquela escola.

Esta exigência é profundamente injusta. As turmas são heterogéneas: não são constituídas laboratorialmente de modo a que haja o mesmo número de alunos bons, médios e fracos em cada turma. Ora, se, por acaso, é atribuída ao professor uma turma com alunos mais fracos, ele será penalizado; se lhe for atribuída uma turma com alunos melhores, ele será beneficiado: duplamente penalizado, porque teve de desenvolver um maior esforço e não teve tão bons resultados; duplamente beneficiado, porque viu o seu trabalho facilitado pela natureza dos alunos e os seus resultados serem melhores…

3. O normativo prevê que os professores sejam avaliados tendo em conta a evolução dos resultados dos seus alunos relativamente à evolução média dos resultados dos alunos daquela disciplina, ou seja, por exemplo, numa turma de 10.º ano, os resultados na disciplina de Português têm de ser iguais ou melhores do que a média dos resultados da disciplina de Português no conjunto de todas as turmas da escola (do 7.º ao 12.º ano); se se tratar de um agrupamento com vinte escolas, exige-se, por exemplo, que os resultados de uma turma do 4.º ano em Língua Portuguesa tenham em conta os das outras turmas da própria escola (do 1.º ao 4.º ano) e de todas as escolas do agrupamento (do 1.º ao 9.º ano).

Esta exigência, além de injusta, pelo motivo imediatamente acima referido, não tem em conta que se está a tentar comparar o que é diferente (os objectivos e conteúdos da disciplina não são os mesmos de ano para ano) e que os contextos escolares variam de escola para escola.

4. O normativo prevê que os professores sejam avaliados tendo em conta a evolução dos resultados escolares dos seus alunos relativamente à evolução média dos resultados dos mesmos alunos no conjunto das outras disciplinas da turma, ou seja, por exemplo, numa turma de 10.º ano, os resultados na disciplina de Português têm de ter uma evolução igual ou melhor do que a da média do conjunto das outras disciplinas da turma (por exemplo, Inglês, Filosofia, Matemática, Educação Física, Desenho), não tendo sequer essa disciplina contribuído para essa média (nem que tivesse contribuído, quanto mais não contribuindo...).

Esta é uma exigência que não tem em conta:

– os motivos referidos anteriormente;

– nem a natural diversidade das disciplinas que compõem o currículo dos alunos, não só no que respeita a objectivos e conteúdos como ao número de tempos lectivos semanais (há disciplinas que só têm dois blocos por semana e outras que têm três ou quatro);

– nem os interesses e as capacidades dos alunos: pelos mais diversos factores, há disciplinas que os alunos preferem e outras em que têm mais dificuldade, nomeadamente nos cursos tecnológicos e profissionais, em que os alunos têm disciplinas em que obtêm muito bons resultados (as específicas desses cursos) e outras, impostas pelo currículo, com programa idêntico ao dos restantes cursos não profissionais (por exemplo, Português), em que os alunos têm mais dificuldade.

De salientar ainda, no respeitante a estes aspectos 2 a 4, que, para existir uma média, seja ela qual for (mesmo positiva), tem de haver números acima e abaixo da média, havendo, portanto, sempre professores penalizados.

5. No normativo prevê-se, ainda, que os professores sejam avaliados tendo em conta as classificações nas provas de avaliação externa e respectiva diferença relativamente às classificações internas, ou seja, por exemplo, se no 12.º ano o professor atribuir ao aluno uma determinada classificação e o resultado no exame for diferente, o professor será penalizado por tal.

Mais um aspecto de que os professores discordam, pelos seguintes motivos:

– ao longo do ano, o aluno é avaliado segundo diversos critérios, alguns dos quais – por exemplo, a oralidade e a participação – não existem no exame;

– o exame é uma situação especial em que, por vezes, o aluno sente pressões que o levam a uma realização inferior à habitual;

– as provas de exame, por vezes, contêm formulações de resposta inesperadas ou com incorrecções ou dão um maior peso a aspectos que assim não foram considerados ao longo do ano (dado o grau de abertura dos programas), sendo difícil que correspondam exactamente ao nível de exigência seguido ao longo do ano lectivo.

Seguem-se, agora, os seis motivos gerais que fazem com que os professores discordem deste parâmetro de avaliação que tem em conta «a melhoria dos resultados escolares dos alunos».

6. Se os professores forem avaliados em função dos resultados dos alunos, tal significa a desresponsabilização do aluno (o que é gravíssimo). O aluno deve envidar todos os esforços para aprender. Ao saber que o professor é avaliado pelos resultados dos alunos, tal traduz-se numa inversão total da responsabilidade que cabe a cada um: ao professor a de ensinar; ao aluno a de aprender, para o que se exige interesse, empenho, esforço.

7. Tal parâmetro também tem como consequência a desresponsabilização dos pais (o que é grave). Os pais, sobretudo os menos preparados ou os que menos tempo têm para acompanhar o estudo dos filhos, podem desresponsabilizar-se de vez, pensando que, se o filho não transitar de ano, o professor é que sofre as consequências, portanto, o filho passará com certeza, não sendo preciso preocupar-se com isso.

8. Por outro lado, parece-nos que este parâmetro configura um conflito de interesses e uma situação de incompatibilidade não permitida pela lei. Efectivamente, o professor passa a ter um interesse directo nos resultados obtidos pelos seus alunos, já que eles o podem prejudicar ao longo da sua carreira. Pergunta-se se este interesse não pode ser suficiente para se considerar que, ao abrigo do artigo 44.º do Código do Procedimento Administrativo, o professor passe a estar, pelo conflito de interesses evidente, numa situação de impedimento, chocantemente criada pelo legislador.

9. Este parâmetro tem, pois, como consequência a pressão sobre os professores para atribuírem notas mais elevadas sem os alunos terem desenvolvido as competências correspondentes, o que a curto prazo se traduz na destruição da escola, que deixa de ser um local onde se aprende, para se tornar um local onde essencialmente se passam certidões de aprovação.

10. Em nenhum sistema de ensino conhecido existe este parâmetro de avaliar professores e os fazer progredir numa carreira em função dos resultados dos seus alunos.

11. Poderia contrapor-se que o peso deste parâmetro na avaliação dos professores é limitado, que apenas é um parâmetro entre outros, mas tal argumento não colhe, pois, por um lado, é precisamente este o argumento invocado no DR n.º 2/2008 para justificar este modelo de avaliação dos professores (artigo 3.º, ponto 2: "a avaliação do desempenho do pessoal docente visa a melhoria dos resultados escolares dos alunos..."), é ele que surge como primeiro aspecto do ponto 2 do artigo 9.º deste diploma, e, por outro, cada professor tem o direito a um processo de avaliação justo. E é, sobretudo, o principal parâmetro no que diz respeito à pressão indevida que pode ser exercida sobre as escolas. O dano está feito: se os resultados dos alunos contarem para a avaliação do professor (não importa com que peso), está destruída a imagem do professor, a possibilidade de respeito que o aluno e o pai deverão ter para com o professor, e criadas as condições para a pressão indevida e a facilidade de obtenção de resultados que não correspondem às reais competências.

Não se questiona que aos professores se peça responsabilidade no desenvolvimento de toda uma actividade tendente a que os seus alunos tenham sucesso, tendente a que haja «melhoria dos resultados escolares». E não se questiona que esse processo seja avaliado. Por exemplo, poderá ser observado (e objecto de avaliação) como é que o professor ensina, o que é que o professor fez perante uma turma com determinados problemas de aprendizagem ou determinado insucesso. Mas deverá ser o processo a ser avaliado, e nunca o resultado que o aluno obtém, pois na construção desse resultado intervêm muitos factores, nomeadamente o próprio aluno (com determinadas capacidades cognitivas, interesse, capacidade de trabalho, situação pessoal, familiar e social, etc.). A pressão que tem sido feita nas escolas para que indiquem como objectivo, no Projecto Educativo, que os seus alunos melhorem uma determinada percentagem em relação a resultados anteriores ou obtenham determinados resultados quantificados (segundo o disposto na alínea b) do ponto 1 do artigo 8.º do referido DR 2/2008), sendo depois avaliadas se esse objectivo foi ou não atingido, é perfeitamente incompatível com o que é minimamente justo: ser-se avaliado por aquilo que se fez, e não pelo que os outros fizeram. O professor deve ser avaliado pela forma como ensinou e educou; os alunos, pelos resultados que obtiveram.

2.ª O facto de os professores serem avaliados tendo por referência «o abandono escolar».

Tendo em conta o acima exposto, também se questiona que a redução do abandono escolar seja um parâmetro a avaliar no desempenho de um professor.

Poderão considerar-se as medidas desenvolvidas pelo professor, as suas intervenções, mas não a atitude que o aluno tomou, por vezes por desinteresse por currículos e programas (a que o professor é alheio), mas, sobretudo por uma opção que depende essencialmente dele, aluno, sujeito com vontade própria, dos pais e, muitas vezes, dos contextos familiares e sociais.

3.ª A avaliação dos professores titulares ser feita pelos seus pares.

Questionamos a avaliação dos professores titulares feita por professores que se situam no mesmo escalão, ou seja, o facto de um profissional que não é hierarquicamente superior a outro proceder à sua avaliação e classificação para efeitos de progressão na carreira.

É que – consideramos – uma coisa é fazer-se uma reflexão conjunta sobre práticas de ensino, uma avaliação de tipo formativo de um trabalho conjunto em que os intervenientes participaram como pares e em que, em igualdade de circunstâncias, A aprecia o trabalho de B, e B aprecia o trabalho de A, no sentido de que essa reflexão conjunta traga melhoria ao desempenho de ambos; outra, muito diferente, e discutível – não conhecemos investigação e literatura da especialidade que a sustente –, é a de uma pessoa que não é hierarquicamente superior a outra proceder à sua classificação.

Em nenhum sistema de avaliação em Portugal (em empresas, hospitais, universidades, ministérios, administração pública, por exemplo) ou noutros países, um chefe de serviços avalia e classifica outro, ou um professor catedrático avalia e classifica outro, ou um funcionário avalia e classifica outro que desempenhe as mesmas funções e se situe no mesmo escalão.

No caso vertente, quando avaliador e avaliado são ambos professores pertencentes ao 10.º escalão (3.º escalão de professor titular), portanto no topo da carreira, ou mesmo ambos professores titulares, tal avaliação é considerada com reservas quer por um quer pelo outro e conduzirá fatalmente à emergência de conflitualidades, comprometendo o trabalho de cooperação que os professores sempre desenvolveram nas escolas (nos Departamentos Curriculares, nos Conselhos de Grupo e de Disciplina, nos Conselhos de Turma, no Conselho Pedagógico, na Assembleia de Escola, nas comissões que asseguram o serviço de exames, nas que tratam das matrículas, nas que elaboram os horários, nas que elaboram o Projecto Educativo, o Plano Anual de Actividades, o Regulamento Interno, etc.).

4.ª A avaliação dos professores titulares poder ser feita por professores de escalão inferior ao seu.

A situação ainda se torna mais ilegítima se atentarmos que o normativo em causa não tem em conta em que escalão está o professor titular avaliador, quer seja coordenador do departamento curricular, quer pertença à comissão de coordenação da avaliação do desempenho (artigos 12.º e 13.º do referido DR n.º 2/2008): estes professores não foram sujeitos a nenhum concurso para desempenhar tais funções nem têm qualquer habilitação específica superior à dos seus colegas).

A lei permite, assim, que ocorra a situação de professores avaliadores que se situam em escalões inferiores (8.º ou 9.º escalão, actuais 1.º e 2.º escalão de professor titular) avaliarem professores que estão no 10.º escalão (3.º escalão de professor titular), profissionalmente acima deles, portanto. Não será, naturalmente, necessário argumentar que esta situação contende com o mais elementar bom senso.

5.ª A avaliação dos professores poder ser feita por professores com habilitação académica inferior à do avaliado ou com habilitação científica diferente da do avaliado.

Esta legislação não tem em conta a habilitação académica de quem avalia, permitindo que professores com a habilitação de licenciado avaliem professores com o grau de mestre ou de doutor.

E permite, ainda, que um professor avalie outro de disciplina diferente da sua, por exemplo, que um professor de Educação Visual avalie um de Educação Física.

Também não será, naturalmente, necessário argumentar que esta situação contende com o mais elementar bom senso.

Aliás, toda esta concepção de professores a avaliar professores (que desempenham as mesmas funções) e a interferir na sua progressão na carreira – exposta nestas razões 3.ª, 4.ª e 5.ª –, na prática, parece-nos configurar um dos casos de impedimento legalmente consignado: o especificado no artigo 44.º, alíneas a) e b) do Código de Procedimento Administrativo (e ainda no 48.º do mesmo diploma), que determina que «nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública» «quando nele tenha interesse». E refira-se que a melhor doutrina considera não se ter de ir ao ponto de exigir um interesse directo, bastando, para o preenchimento do requisito, que haja um interesse instrumental ou moral.

6.ª A existência de quotas («percentagens máximas» de atribuição de Excelentes e de Muito Bons) diferentes de escola para escola.

A fixação de «percentagens máximas» estipuladas diferentemente, tendo «obrigatoriamente por referência os resultados obtidos na avaliação externa» concita dúvidas, mormente no que tange à sua compatibilidade com os princípios que fundamentam o sistema.

Como ponto prévio, deverá dizer-se que os termos e resultados dessa avaliação externa têm merecido o exercício do contraditório por parte de um grande número de escolas2, ou seja, as escolas muitas vezes não se revêem na apreciação efectuada pela Inspecção-Geral de Ensino (não esqueçamos que essa avaliação decorre de uma observação de apenas dois dias em cada escola). Basta, aliás, pensar que, ao quadro referencial desta avaliação externa faltam descritores dos níveis de classificação, o que permite discricionariedade na classificação atribuída e, consequentemente, a instauração ab initio de uma situação de mal-estar latente entre a escola e a IGE, entre a Escola e a tutela, dado aquela se sentir duplamente injustiçada: na avaliação externa e nas consequências dessa avaliação.

Passando às consequências, uma escola classificada com Muito Bom terá «direito» a uma quota maior de Excelentes e de Muito Bons para os seus professores, diferentemente de uma escola com pior classificação. Tal acontece independentemente do esforço, do empenho, da qualidade de um ou de alguns dos professores que aí exerçam funções. Assim, a possibilidade da obtenção de uma classificação por parte do professor fica dependente da escola em que tenha sido colocado, e não do seu próprio mérito. E tal terá interferência na possibilidade de uma melhor remuneração, ou seja, professores de escolas diferentes têm oportunidades de remuneração diferentes, apesar de a tutela ser a mesma.

Assim, poderá considerar-se que esta disposição fere o disposto no artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa3, pois, ao estabelecerem-se quotas diferentes de escola para escola, a mesma «qualidade» pode estar a ter oportunidades diferentes de ser reconhecida oficialmente, criando-se, assim a discriminação que fere o artigo invocado.

Ou seja, a prévia condicionalidade determinada pela fixação de quotas diferenciadas para as várias escolas impede que o resultado salarial seja determinado, exclusivamente, pela qualidade do exercício responsável da profissão.

7.ª A distribuição de quotas por «universos de docentes».

Esta disposição tem consequências nocivas previsíveis de imediato: por um lado, constituirá mais um factor de criação de um clima de mal-estar nas escolas, de rivalidade, de conflitualidade; por outro, criará situações de injustiça e, cremos, de afronta à legalidade, nomeadamente no que respeita aos elementos que fazem parte da Comissão de Coordenação da Avaliação de Desempenho que não são coordenadores de departamento curricular.

Passando às consequências relativamente ao ambiente de trabalho nas escolas, é preciso referir que as escolas têm até agora desenvolvido um ambiente de cooperação entre todos os docentes, não só por força do conteúdo dos normativos cessantes como pela natureza do trabalho a desenvolver – por exemplo, o Projecto Educativo de Escola, o Plano Anual de Actividades, a coordenação e a articulação nos departamentos curriculares e nos grupos disciplinares, a avaliação dos Conselhos de Turma, o trabalho em equipa na constituição de turmas, na organização do serviço de exames, no Conselho Pedagógico, na elaboração de horários, etc. –, mas que, agora, essas relações de colegialidade e de trabalho de equipa ficam feridas por força da inevitável arbitrariedade decorrente do respeito pelas percentagens atribuíveis a cada «universo de docentes». É que os professores, independentemente do «universo» em que se inserem, trabalham todos em conjunto em muitas das actividades da escola. Ora, se um «universo de docentes», porque mais numeroso, tem direito a um maior número de Excelentes ou de Muito Bons, isto poderá fazer com que num outro «universo» de menor dimensão não seja atribuída a mesma menção a um docente com um trabalho tão bom ou mesmo superior ao do colega, o que vai criar uma relação de mal-estar entre os profissionais.

8.ª Serem avaliados professores que estão no topo da carreira, muitos deles a menos de quatro anos do limite etário para atingir normalmente a idade da aposentação.

A avaliação tem essencialmente como consequência a progressão na carreira. Se o professor, pelos modelos de avaliação que foram sendo utilizados, já chegou ao topo da carreira, não se vê qual o efeito positivo de uma avaliação quando ele está a terminar a sua carreira. Em contrapartida, existe um acréscimo de constrangimentos e de consequências negativas: as dificuldades na compatibilização de horários de professores avaliadores e avaliados e de alunos, para a execução de todo o processo de avaliação; as centenas de horas gastas numa escola média para avaliar professores que já têm toda uma estrutura de ensino e de intervenção consolidada (que normalmente eram canalizadas no apoio a professores mais jovens, pois, mais do que avaliar, importa orientar, orientar os professores em início de carreira, consolidando progressivamente a sua formação); a sobrecarga de funções; a ausência de eficácia desta avaliação, pois o natural é que um professor em final de carreira tenha uma boa avaliação, já que passou toda uma vida a planificar e a dar aulas. As excepções – e serão mesmo casos pontuais – poderão ser tratadas como têm sido até ao momento: com a intervenção directa do órgão de gestão junto do professor em causa e, até, o seu afastamento do ensino, quando necessário.

De referir, ainda, que, como os efeitos da avaliação só se verificam no final de quatro anos (artigos 5.º, 48.º e 63.º do DL n.º 17/2007, de 19/1 – Estatuto da Carreira Docente), é totalmente ineficaz e inconsequente a aplicação desta norma aos professores que estão a menos de quatro anos do limite para atingir a idade da aposentação. Tal terá apenas, portanto, como efeitos o vão dispêndio de tempo por parte dos avaliadores e o desalento dos professores, avaliados para nada.

9.ª A complexidade e burocratização do processo, com reflexos negativos para a vida nas escolas, para os professores e, naturalmente, para o ensino.

Este processo de avaliação exige, numa escola média, mais de um milhar de horas de trabalho extra, mobiliza uma diversidade enorme de intervenientes, a concepção de um grande número de documentos e sua aplicação, o bulício da observação simultânea de aulas de todos os professores (até se prevê que os professores avaliadores possam faltar às próprias aulas para poderem observar e avaliar as dos colegas, no caso de haver incompatibilidade de horários...), traduzindo-se num trabalho acrescido para os professores, um enorme trabalho, sem um resultado prático visível de eficácia ou qualidade.

10.ª A heterogeneidade de procedimentos na avaliação de escola para a escola.

Ao prever-se, no diploma, que os "instrumentos de registo normalizados de toda a informação relevante para efeitos da avaliação do desempenho" sejam "elaborados e aprovados pelo Conselho Pedagógico de cada escola" (artigo 6.º, pontos 1 e 2 do DR n.º 2/2008), está a abrir-se a porta para a desigualdade de avaliação dos professores de escola para escola. Ou seja, está a abrir-se a porta para a injustiça.

Em suma, este modelo de avaliação é, essencialmente, sentido pelos professores como propiciador de injustiças, de desigualdades e da deterioração do ambiente de trabalho nas escolas, não contribuindo para a desejada melhoria do sistema de ensino em Portugal.

Os professores do 10.º Escalão (3.º escalão de Professor Titular)

da Escola Secundária José Falcão, de Coimbra

28 de Outubro de 2008

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