segunda-feira, 28 de abril de 2008

Não existem resistências colectivas sem vontades individuais de resistir!

O primeiro trimestre de 2008 ficará marcado, na história da Educação em Portugal, por um enorme contraste entre o entusiasmo e a euforia resistente que culminou com a manifestação de 100 mil professores, e o desânimo e o baixar de braços que se lhe seguiu.

Para muitos dos professores que manifestam a sua opinião, seja nas escolas, seja nos meios tradicionais de comunicação social, seja ainda na web, aquilo a que chamam o “esvaziamento” da luta dos professores ficou a dever-se a uma espécie de “traição”, que as organizações sindicais protagonizaram e que está a ter como consequência que os professores não tenham vontade de continuar a lutar pelo que consideram ser opções correctas para a educação.


Na minha modesta opinião este discurso padece de dois erros de análise enormes, que são os seguintes:


Nem os sindicatos sozinhos conseguiriam mobilizar 100 mil professores para se manifestarem contra as políticas educativas, nem os movimentos autónomos de professores têm (tinham) capacidade organizativa para promover manifestações com essa grandeza;

A grandiosidade da manifestação e do protesto só foi possível porque a vontade colectiva de resistir exponenciou as resistências individuais que estiveram na sua base.

Colocando os acontecimentos na perspectiva dos profissionais, que no quotidiano têm que dar resposta às inúmeras dificuldades com que se debate a escola e a educação, o que passou foi um rearranjo da estrutura por acção dos actores envolvidos. Na verdade, o surgimento de grupos de actores (professores) não condicionados pelos constrangimentos estruturais (lógicas sindicais, lógicas partidárias) foi determinante para a construção de um colectivo que nunca tinha existido em trinta anos de escola pública: uma plataforma sindical que unificou todas as organizações com legitimidade representativa dos professores.


O facto de, pela primeira vez em trinta e quatro anos de democracia, o poder executivo ter sido confrontado com uma voz única em representação dos professores, foi determinante para colocar um governo arrogante, autoritário e suportado por uma maioria parlamentar e por uma opinião publicada submissa, em tão grandes dificuldades que se viu obrigado a renunciar a questões que já tinha dado como adquiridas. É o caso da aceitação de um modelo uniformizado e simplificado de avaliação para este ano; é o caso da aceitação do princípio da experimentação de um modelo, que no entendimento ministerial não precisava de ser experimentado; é o caso da aceitação da revisão do modelo após o seu período experimental, quando anteriormente era anunciado como o modelo perfeito e regenerador do sistema educativo.


Mas também para as organizações sindicais esta foi uma experiência nova e provavelmente enriquecedora. É que também pela primeira vez desde a sua criação não passou pela ideia de nenhum sindicato a possibilidade de negociar separadamente um ou outro aspecto do pacote legislativo, dando ao governo o pretexto para anunciar acordos com os “representantes dos professores”. E também pela primeira vez todos os sindicatos aceitaram pacificamente a colaboração, a presença e a participação de não sindicalizados nas actividades de mobilização da luta dos professores. O que se passou comigo, na mobilização e organização do dia D na escola em que lecciono, constitui uma prova dessa aceitação.


Infelizmente, parece que uma parte significativa desta resistência colectiva está em fase de esvaziamento. As manifestações e vigílias nocturnas já não têm a força e o brilho das que se realizaram em Fevereiro e nos primeiros dias de Março. Em muitas escolas os professores começaram a sentir-se sós e abandonados. Os fóruns e blogues na Internet parecem reflectir uma enorme descrença.


Como é que foi possível passar tão depressa do céu ao inferno? Será que os exageros, as recriminações e as críticas entre movimentos de professores e sindicatos (e vice-versa) e os professores não ligados nem as uns nem a outros, contribuem em alguma coisa para o debate? E que contributo dão para o necessário combate às políticas educativas erradas que este governo persistirá em aplicar?


Ao ouvir muitos dos críticos da plataforma sindical, fico com a impressão que essas pessoas depositariam uma esperança enorme na capacidade e determinação dos sindicatos em conduzir a luta, esquecendo que os sindicatos são organizações constituidas por pessoas que tomam decisões. É muito curioso ouvir criticar os dirigentes e ao mesmo tempo constatar que quem critica não realiza as acções que poderiam alterar as decisões dos dirigentes.


De uma forma semelhante, muitas das pessoas que simpatizam com o aparecimento de movimentos autónomos de professores não estão disponíveis para mudar os seus comportamentos quotidianos e ficam à espera que apareçam novos dirigentes que façam melhor o que faziam os dirigentes sindicais, isto é, orientem de forma mais determinada e radical a resistência ao ME.


O problema é que não existem organizações e colectivos sem as pessoas. Da mesma forma, se não for cada um dos professores a resistir individualmente, não será nunca possível construir uma resistência colectiva.


Os sindicatos e os movimentos de professores poderão, em cada momento, sugerir formas de resistência, promover formas de luta, conduzir o combate. Mas se em cada escola cada um dos professores não se opuser à arbitrariedade, não disser que não aceita a intimidação e o medo que lhe querem impor, não puser todos os paus que puder na engrenagem, bem que se poderão convocar greves, manifestações e outras formas de luta, que não iremos a lado nenhum.


Este final de ano lectivo, sendo um tempo de apaziguamento e de reagrupamento das forças, tem que constituir um tempo de reflexão sobre o futuro da educação. E o futuro começa já em Setembro, altura em que teremos que voltar a fazer soar as trombetas, tocar a reunir e resistir ao governo, à ministra, aos PCE’s adesivos e modernaços:


Na avaliação será de ponderar a entrega dos “objectivos individuais” uma vez que os previstos no DR 2/2008 são efectivamente objectivos organizacionais.
Na gestão será fundamental avaliar criteriosamente se deverá ou não ser apresentada uma lista para o conselho geral provisório. Cada escola será um caso, uma vez que nalgumas escolas será perigoso deixar que os adesivos ocupem todos os assentos nesse órgão, enquanto que noutras (se a unidade do corpo docente o permitir) se poderá tentar o boicote à constituição do conselho, não apresentando nenhuma lista de professores.
Quanto ao ECD será necessário criar as condições políticas para que se substituam os governos de orientação neoliberal, que estão instalados em S. Bento desde os anos 80, por um governo que coloque a economia ao serviço das políticas sociais. Nesse caso a perspectiva será de uma intervenção cívica até às eleições de 2009 e para lá disso. Não esquecendo nunca que a resistência colectiva precisa da resistência de cada um de nós.


http://fjsantos.wordpress.com/2008/04/28/nao-existem-resistencias-colectivas-sem-vontades-individuais-de-resistir/

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