Conquistou o segundo lugar do European Science Awards na categoria de Science Communicator of the Year. O professor e divulgador de ciência compreende a revolta da classe docente quando é olhada como culpada de todos os males.
Ficou em segundo lugar do European Science Awards na categoria de Science Communicator of the Year. Foi a primeira vez que um prémio desta natureza foi atribuído a um português. Nuno Crato, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, continua a acreditar que vale a pena trabalhar em prol da divulgação científica. Quanto à política educativa, faz alguns reparos e considera que a tutela tem revelado falta de tacto para resolver conflitos.
Na sua opinião, o sistema de avaliação que é proposto pela tutela pressiona a inflação das notas. O que poderá facilitar a transição de ano de alunos que deviam ficar retidos. Nuno Crato, professor de Matemática e Estatística do Instituto Superior de Economia e Gestão, defende um processo de avaliação externa que registe resultados e regule a actividade educativa. O docente afirma que é uma "situação absurda" os estudantes não serem avaliados externamente durante o percurso escolar obrigatório. E, em seu entender, se as notas subirem no próximo exame nacional de Matemática do 12.º ano, que aumentou de duração, é complicado perceber a razão. "Tanto pode ser devido ao maior conhecimento dos alunos como à maior facilidade do exame", refere.
EDUCARE.PT: Segundo lugar do European Science Awards na categoria de Science Communicator of the Year. Divulgar ciência em Portugal: um trabalho que compensa, uma tarefa ingrata?
Nuno Crato: Acho que é um trabalho bastante compensador. Vejo interesse das pessoas, vejo gosto dos jovens e é o género de actividade em que há um quase consenso sobre a sua utilidade. Hoje em dia, após ultrapassados em larga medida alguns obstáculos de incompreensão dentro do mundo académico e dentro da comunicação social, reconhece-se uma utilidade social na divulgação científica.
E: A sociedade portuguesa está mais receptiva à divulgação de uma área olhada como pouco perceptível?
NC: Acho que sim, que se evoluiu bastante nos últimos dez anos.
E: A política educativa tem vindo a gerar uma onda de descontentamento. Quais os pontos que, na sua opinião, a tutela devia rever e alterar?
NC: São tantos! A actual equipa ministerial pegou em alguns pontos importantes, mas tem ignorado outros. E, mesmo tendo razão em muitas decisões administrativas que tem tomado, tem tido uma notória falta de capacidade para gerar consensos. É mais do que falta de tacto, parece vontade de criar conflitos.
Uma das questões essenciais em que discordo da política ministerial tem sido nas orientações educativas e pedagógicas. Em vez de rever um passado de facilitismo, o Ministério tem promovido a revisão de programas continuando a velha política de simplificação de conteúdos. Outro dos aspectos de que discordo é a falta de avaliação. Alguns exames acabaram (nos cursos tecnológicos) e mantém-se esta situação absurda de os alunos não serem avaliados externamente durante todo o percurso escolar obrigatório. Só no 9.º ano têm dois exames, apenas dois, a Matemática e Português, e valendo apenas 30% da nota final.
Os poucos exames que temos são de uma facilidade extrema e os critérios têm variado de ano para ano, de forma que os resultados não são comparáveis. Os progressos que se anunciam não são progressos, ou não se sabe se são, pois não há critérios para os medir.
E: A avaliação dos professores proposta pelo Ministério da Educação está bem planeada? Quais os aspectos que destaca?
NC: Acho que há um erro base: não se pode avaliar os professores sem avaliar o resultado do seu trabalho, ou seja, sem fazer exames externos aos alunos. O sistema de avaliação proposto constitui uma pressão para que os professores inflacionem as notas e passem alunos que deveriam ser retidos. Sem um processo de avaliação externa que registe os resultados e regule a actividade educativa, tudo isto pode ser muito grave.
E: Há algum tempo disse que a formação, selecção e promoção de professores não privilegiam o conhecimento das matérias, a capacidade pedagógica e o mérito. Continua tudo na mesma?
NC: No que se refere à formação de professores, a situação varia muito consoante as escolas. No que se refere à selecção, esperemos que venha a mudar com o exame de entrada na profissão, que a Sociedade Portuguesa de Matemática tem vindo a defender há quase uma década. No que se refere à avaliação, há uma tentativa de mudar, reconheça-se. Mas sem exames externos aos alunos a avaliação dos professores é muito difícil, como disse.
E: O novo Estatuto do Aluno está desenhado para combater o insucesso e abandono escolares?
NC: Não. Acho o novo Estatuto um passo em frente demasiado tímido, em alguns casos até um passo atrás. Tudo está a ser posto em causa agora depois dos acontecimentos na Secundária Carolina Michaëlis.
E: O novo regime de faltas dos alunos contribuirá para a diminuição dos casos de indisciplina?
NC: Acho que não, de forma alguma.
E: Como presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, como vê o aumento da duração do exame nacional de Matemática do 12.º ano de escolaridade?
NC: Mais uma vez é uma mudança de critério. Os exames que o Ministério faz não são comparáveis. Se este ano as notas subirem alguém sabe a que isso é devido? Ninguém sabe. Tanto pode ser devido ao maior conhecimento dos alunos como à maior facilidade do exame.
E: A Matemática continua a ser a disciplina "menos amada" do plano curricular?
NC: Não sei. É uma daquelas em que os resultados são preocupantes. Mas os resultados são maus em todas as disciplinas centrais.
E: O último PISA - Programme for International Student Assessment - colocava o desempenho dos alunos portugueses de 15 anos a Matemática, Ciências e Leitura no 37.º lugar entre os 57 países analisados. Há motivos para preocupações?
NC: Há. Já o tínhamos dito antes deste estudo e mantemos. Aliás, se virmos o PISA, verificamos que a situação se mantém.
E: Há razões que expliquem o facto de a Matemática continuar a apresentar notas baixas?
NC: Há: o ensino está mal. Estamos a sofrer o resultado de programas maus, de ausência de avaliação externa, de pouca exigência, de fraca formação inicial, de tudo...
E: O ensino de Ciências requer uma revisão da metodologia por parte dos docentes, de forma a motivar os alunos e subir as notas?
NC: Talvez, mas requer sobretudo uma mudança de orientações pedagógicas por parte do Ministério. Eu não poria a tónica na motivação nem no aumento de notas. Era assunto para outra entrevista...
E: Que análise faz do protesto dos professores de 8 de Março? Foi à manifestação?
NC: Não fui à manifestação, mas percebo que os professores se sintam revoltados e rejeitem serem vistos como culpados de todos os problemas.
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