2008-03-16 - 00:30:00
Entrevista CM: Mário Nogueira
Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores, afirma que os professores querem ser avaliados, mas não nesta altura do ano lectivo e com este modelo. Diz que Sócrates vai ter um ano complicado se não mudar de ministra e acusa Maria de Lurdes Rodrigues e a sua equipa de fazerem propaganda e de não terem pejo em faltar à verdade.
Correio da Manhã – Os professores aceitam ser avaliados ou não?
Mário Nogueira – Os professores acham que devem ser avaliados. Desde a primeira hora, desde os anos oitenta, quando foi aprovado o primeiro estatuto, os professores e a Fenprof assumiram um modelo de avaliação que, em minha opinião, era mais exigente que este e que os anteriores. O que não era difícil.
- Então o que é que está em causa nesta luta?
- A questão prende-se com o objectivo da avaliação. Uma avaliação, em nossa opinião, deve sobretudo ser orientada para melhorar a qualidade do desempenho dos professores e daí melhorar a qualidade do ensino. Por isso mesmo nós achamos que deve ser uma avaliação sobretudo de matriz formativa.
- O que é que quer dizer com isso?
- Deve servir para que se detectem as dificuldades, os problemas, as lacunas que os professores têm no seu desempenho. Deve servir para elaborar um diagnóstico com esses problemas e deve servir para definir estratégias que podem passar pela formação, pelo acompanhamento e pelo apoio. E podem até, no limite, e nós nunca contrariámos isso, chegando-se à conclusão que o professor não tem condições deve-se, respeitando a sua habilitação, haver um processo de reclassificação de função profissional.
- E na carreira dos professores?
- Também achamos que deve ter repercussão na própria carreira.
- Não aceitam é que condicione a progressão na carreira.
- Não. O que nós somos contra é que a avaliação se oriente sobretudo para isso. Isso está claro nas nossas propostas. E não foi fácil chegarmos a um consenso porque são catorze organizações sindicais. Mas conseguimos construir uma só. O processo começou com catorze propostas diferentes e acabou com uma só de todos os sindicatos. Todos nós fizemos cedências e procurámos assim facilitar a própria negociação.
- Foram negociar com o Ministério uma só proposta?
- Exacto. Porque uma coisa era o Ministério ter uma proposta com que pudéssemos entrar em diálogo e negociação e outra coisa era ter catorze.
- O que é então inaceitável na proposta do Ministério?
- Quando me vêm dizer que esta avaliação tem por objectivo promover a excelência e promovendo-se a excelência parte-se do princípio que os professores vão ser melhores profissionais, vão ter melhor desempenho, vão eventualmente conseguir até na sua avaliação chegar às melhores classificações e depois a promoção da excelência passa por impor mecanismos administrativos, como sejam as quotas, para que os professores não possam ver reflectidas nas classificações aquilo que é o seu desempenho é inaceitável. Somos completamente contra isso.
- Este processo de avaliação, portanto, nem pensar?
- Este processo definitivamente não.
- Querem que seja suspenso.
- Mas sabe que a questão da suspensão neste momento não tem a ver com o modelo. Se fosse o modelo que nós defendêssemos a questão colocava-se na mesma. Neste momento, sobretudo respeitando as crianças, os alunos, introduzir uma coisa que é nova no terceiro período lectivo é irresponsável. É irresponsável.
- Por causa dos testes e dos exames?
- Repare. O terceiro período lectivo é quando os alunos estão a preparar os exames, são os momentos de recuperação, os professores já têm dois períodos lectivos, já têm algum cansaço acumulado, e é quando os professores precisam de ter tudo menos coisas que os distraiam do trabalho com os alunos. Por isso, ir introduzir no terceiro período um factor de instabilidade é irresponsável.
- Essa instabilidade de que fala atinge as escolas?
- Nas escolas. Porque as escolas vão ter de reunir os órgãos, vão ter que aprovar uma série de mecanismos que significa andar a fazer reuniões, a discutir coisas que não estão discutidas, significa aprovar fichas e documentos, instrumentos que as pessoas nem sabem como se têm de fazer, porque não houve formação para isso.
- É uma complicação imensa no final do ano lectivo.
- É. E por isso nós achamos que era lógico que se deixasse, e foi isso que nós dissemos, que se suspendesse neste período.
- Aceitavam que começasse no início do próximo ano lectivo?
- Exactamente. Para que as escolas fossem avançando por si na reflexão e aprovação dos instrumentos e no outro ano começasse em regime experimental.
- Como propôs o socialista António Vitorino?
- O que o doutor António Vitorino disse tem toda a lógica. Primeira era experimental e depois corrigia-se. Muitos dos académicos e especialistas da avaliação consideram que é também aventureirista avançar com a avaliação generalizada a 150 mil professores sem ter havido um teste.
- Não houve experiência nenhuma?
- Nada. Ninguém sabe se, por exemplo, aquelas fichas com aquelas ponderações têm ou não efeitos perversos, o que é que significam no fim da avaliação. A senhora ministra tem afirmado, e muito bem, que não há modelos de avaliação perfeitos. É certo. Agora, ninguém sabe o grau de imperfeição deste. E é um bocado aventureirista e até revela uma falta de responsabilidade avançar com um modelo generalizado, um modelo que até pode ter efeitos perversos na forma como as classificações vão ser feitas. E isto porque ninguém experimentou, eles não experimentaram.
- Não de pode emendar depois de entrar em prática?
- Mas vão fazer o quê se isso acontecer? Andar a remediar, andar a remendar, andar a anular?
- A ministra afirmou que este ano lectivo apenas vão fazer avaliações aos sete mil professores contratados. Isso é não é possível?
- Isso não é verdade.
- Não é verdade?
- Não é verdade, porque a senhora ministra confunde, ou se não confunde quer que as pessoas confundam. Confunde duas coisas. Avaliação com classificação. Os sete mil de que a senhora ministra fala, não sei se são ou não, mas o Ministério certamente saberá e certamente fala verdade, são os contratados que necessitariam de ter uma classificação de serviço. Mas a classificação é o último passo de todo o processo. Ou seja, o processo de avaliação tem entrevistas, tem observações, tem fichas, tem isso tudo.
- É de facto uma grande confusão.
- É estranho. Porque a senhora ministra tem dito muitas vezes que quem contesta a avaliação fá-lo por desinformação mas a senhora ministra no seu discurso procura sistematicamente desinformar as pessoas. E isso é que não é correcto nem justo. Mas mesmo para esses professores contratados a situação é injusta. Estamos a falar de pessoas que foram colocadas no dia 1 de Setembro até final do ano. Só vão ter avaliação para este ano, porque é um contrato de um ano, e é, em nossa opinião, injusto e perigoso fazer incidir a avaliação de um ano de trabalho num período. Quer dizer, desprezar dois terços do seu trabalho e ir avaliar um terço é injusto.
- Recusam por isso que sejam avaliados?
- O que temos dito é que o Ministério da Educação encontre uma forma. Repare, durante dois anos e meio o tempo de serviço na Função Pública esteve congelado e a avaliação de desempenho estava suspensa. E há mais um aspecto curioso. A avaliação de desempenho estava tão ligada à progressão na carreira que os sindicatos durante o tempo do congelamento continuaram a dizer que as pessoas deviam continuar a ser avaliadas nesse período.
- E o que é que respondeu o Ministério?
- Como não havia progressão o Ministério achou que não valia a pena e até deu orientação para não serem avaliadas. Está a ver? Quem é que não quer a avaliação?
- Em vossa opinião, esta avaliação está associada essencialmente a quê?
- Está sobretudo orientada para definir os ritmos de progressão na carreira e a permanência na profissão.
- Apesar disso, há aspectos positivos neste modelo ou não?
- Há alguns parâmetros que poderiam estar na nossa proposta. Isso é evidente. Mas não é essa a questão. Claro que não aceitamos a questão dos resultados e do abandono escolar. É evidente que achamos que os professores devem orientar o seu trabalho para a obtenção dos melhores resultados possíveis dos alunos. Ser avaliados por isso achamos que não.
- Um professor pode chumbar 70 por cento dos alunos e ser excelente.
- Exactamente. É uma situação que deve ser analisada dentro da escola. Se numa turma 70 por cento dos alunos reprovam isso deve merecer uma reflexão. Agora avaliar um professor em função disso não.
- O Ministério diz que esse parâmetro tem um peso reduzido, cerca de 6,5 por cento. É verdade?
- O Ministério diz isso mas até pode ser mais. Nem todos os parâmetros das fichas de avaliação são aplicados a todos os professores. Veja o desempenho de cargos. Há professores que não têm cargos. Neste momento só os titulares. Portanto, a ponderação desse parâmetro vai ser distribuída pelos outros. E nesses casos o parâmetro das notas pode chegar a 10 por cento.
- São 30 parâmetros no todo?
- Sim, no conjunto de todas as fichas. Quando não se aplica um o peso desse é distribuído pelos outros e aumenta a percentagem. Mas achamos bem que seja avaliado na sua relação pedagógica com os alunos, por exemplo.
- E as observações das aulas. Concordam?
- Não somos contra as observações de aulas ou as entrevistas. O que achamos que é um bocado absurdo é que obrigatoriamente por ano os professores tenham de ter três observações. O que significa por ano meio milhão de observações de aulas.
- Mas concordam que existam.
- Sim. Mas o que nós defendemos é que a observação é um instrumento de avaliação que deveria ser utilizado nos casos de avaliação excepcional, ou para cima ou para baixo, para retirar dúvidas que existissem, em situações dúbias ou a pedido das pessoas. Não estamos nada contra isto.
- E as entrevistas.
- Também não. Em situações em que se torna necessário tirar dúvidas é aceitável que a pessoa tenha uma entrevista. Agora que obrigatoriamente, 150 mil pessoas tenham de ser entrevistadas por ano, isso é que achamos que é a burocratização do processo.
- Como é que explica então esta ruptura entre os sindicatos e o Ministério da Educação? Não é só por causa da avaliação.
- Não, eu acho que a avaliação está extremamente valorizada agora porque é uma questão muito em cima da mesa. O problema da avaliação não é o mais grave do Estatuto da Carreira. O problema é mais grosso.
- O problema está no Estatuto da Carreira Docente?
- Quando avançámos para o início da revisão do Estatuto da Carreira Docente nós tínhamos uma experiência positiva em relação aos anteriores. A última e a primeira, que foi em 1997, foi um processo em que com menos reuniões se chegou a resultados.
- No tempo do Governo de Guterres.
- Sim. Foi um processo que começou por aquilo que o secretário de Estado da altura, Guilherme d’Oliveira Martins, chamava de a comissão de partir pedra. Eram reuniões técnicas, não eram políticas, em que nós identificámos o que estava bem, em que não era preciso mexer, e o que é que estava mal. Fomos desbravando terreno até que entrámos na parte negocial, já na negociação política, que terminou com um acordo. O que mostra que nós fazemos acordos.
- A ideia que passa não é bem essa. É que dizem não a tudo.
- Vou-lhe dar um exemplo. Acho que isto é importante porque às vezes se valoriza muito a senhora ministra e os sindicatos são sempre do contra. Ainda recentemente chegámos a acordo com a Associação dos Estabelecimentos Privados (AEP) sobre a avaliação dos professores. Portanto, nem somos contra o modelo de avaliação e até temos no nosso currículo recente precisamente este acordo com a AEP. O que nem sempre é fácil, até porque os graus de dependência são superiores aos da Função Pública.
- Estava a falar nas negociações de 1997. E agora, com esta ministra, como foi?
- Nós partimos para este processo com a senhora ministra da Educação a dizer que vai fazer-se a revisão do Estatuto, vai negociar-se a revisão do Estatuto, mas nem tudo vai estar em cima da mesa, nem tudo vai estar em negociação.
- O que é que ficou de fora?
- Ficaram aspectos fundamentais. As quotas na avaliação, a questão dos resultados escolares como sendo um dos parâmetros com peso na avaliação, a divisão da carreira em categoria com um exame.
- Também estão contra esse exame?
- Nós chegámos a admitir um exame. Em que os professores não tivessem que fazer apenas a avaliação normal mas em que tivessem também de fazer prova curricular, tivessem de fazer uma prova, não lhe vou chamar de exame. Nós admitíamos isso desde que o Ministério da Educação aceitasse que quem mostrasse competência, capacidade e mérito para passar no exame passasse.
- O que é que o Ministério disse?
- Muito simples. Disse que aceitava isso mas que, mesmo que os 150 mil professores passassem era o Ministério que definia quem podia avançar em função das vagas.
- Por um lado as quotas e por outro as vagas?
- Nós temos duas coisas. As quotas e as vagas de acesso aos três escalões de topo. Nós chegámos a admitir isso. Mesmo contra a opinião de alguns colegas. Fizemos essa proposta em nome da Plataforma. Agora, se o professor tem mérito, tem mérito. Não tem, não tem. Fica ali. Não aceitaram. Está a ver. Há a questão das quotas, das vagas, das categorias e dos horários de trabalho. Não aceitaram nada.
- Também contestaram as aulas de substituição.
- Não. Está a ver, isso é outra coisa. Há dias li o que escreveu. Nós nunca fomos contra as aulas de substituição. Isso é outro dos equívocos que a senhora ministra lançou. O que nós dissemos sempre foi que as aulas de substituição devem ser de acordo com o que está na lei. Porque as aulas de substituição não foi uma invenção desta ministra. Já se faziam.
- Então porque é que houve mais esta guerra.
- Repare. A própria ministra, quando se reuniu com a Fenprof em Outubro ou Novembro de 2005, faz agora três anos, disse que era necessário corporizar as aulas de substituição que estavam previstas no Estatuto. Nós dissemos que já existiam.
- E que disse a ministra?
- Disse que existiam apenas em sete por cento das escolas. É verdade. Mas tinham o processo bem organizado. Ora se o Ministério diz que valoriza muito as boas práticas peguemos nesses sete por cento e vamos generalizar.
- Não fez isso?
- Não. A senhora ministra achou que tinha era que liquidar esses sete por cento. E a grande discussão que tivemos foi sobre a organização das aulas. Porque as aulas, nos termos da lei obedeciam a certas regras. Não era só a questão do pagamento.
- Mas também era, ou não?
- Também. Porque a aulas de substituição é um momento de actividade lectiva que acresce à actividade lectiva que o professor tem.
- Os professores têm horários definidos?
- Por exemplo. Um professor tem um horário de 25 horas, um horário lectivo completo e depois quando entra numa aula de substituição fica com mais aula. E a lei previa isso como serviço extraordinário.
- Não era a questão principal?
- Não era só isso. O que a lei previa, e foi sempre o que dissemos e que evitava aquela história do professor de matemática ir substituir o de inglês, era que os professores tinham que informar, pelo menos na véspera, que iam faltar. E a escola tinha de avisar um colega do grupo para dar essa aula de substituição. E foi isso que nós defendemos.
- À primeira vista parece lógico.
- O que nós exigimos foi muito claro. Exigimos que o Ministério respeitasse estritamente o que estava no Estatuto da Carreira Docente, que estava bem, estava correcto.
- E não quiseram porquê?
- Não quiseram essencialmente por causa do dinheiro.
- É sempre uma questão de dinheiro?
- É sempre. Eles não quiseram por causa do pagamento. E a ruptura dá-se precisamente por eles não quererem respeitar a lei. E é isso que nos leva a ir para o tribunal.
- As célebres acções no Tribunal Administrativo. Nem aí há a acordo sobre as sentenças.
- Exacto. O secretário de Estado da Educação foi sempre dizendo que não era nada e que podíamos ir. Nós ganhámos os processos todos.
- Aí também não se entendem.
- Há dias vi-o dizer que tinha nove processos. Gostava de saber quais são porque não tem nada. Mas ganhámos, eles recorreram dos que podiam recorrer – e a incompetência é de tal ordem que até deixaram passar um sem recorrer -, e mesmo nesses perderam. Portanto, nós temos oito, bastavam cinco em que não podem mexer porque já passaram os prazos de recurso, temos mais três em recurso. E deu nisto.
- Esse pagamento vai custar os tais três milhões de euros?
- A questão principal não é essa. A questão não é o professor ir cobrar as duas horas ou três que fez a mais. Alguns já nem se lembram e outros já estão aposentados. A questão é política. Política no aspecto de que as leis são para cumprir. Não somos nós que as fazemos.
- O mesmo acontece nas providências cautelares?
- Exacto. Não fomos nós que concebemos este modelo de avaliação. Não fomos nós que dissemos que tinha de haver um Conselho Científico com recomendações. Foram eles que impuseram isso. Então agora têm de cumprir a lei. E a ministra aproveitou a ruptura nas aulas de substituição para vir dizer que, vejam lá, eu aqui tão preocupada a criar as aulas de substituição e eles agora não as querem. Nunca esteve em cima da mesa querer ou não querer.
- A ruptura com a ministra é total em quase todos os pontos. Mas não houve nada de positivo? Nem mesmo os concursos de colocação válidos por três anos?
- Mesmos nos concursos a senhora ministra parte de uma afirmação que não é verdade. A senhora ministra disse que tinha conseguido que os cerca de 70 ou 80 por cento dos professores que mudavam de escola todos os anos ficassem na mesma escola três anos.
- E isso não é verdade?
- Não. O que tinha acontecido no último ano de concurso é que 80 e tal por cento dos professores tinham concorrido. O que aconteceu é que mudaram de escola 16 por cento. E isso ela nunca disse. Joga com os números.
- Isso não sabia.
- Foi isso. O número real foi esse. Só 16 por cento mudaram de escola. Repare. Não são 16 por cento dos professores. Foram 16 por cento dos que se candidataram. Isso é que ela devia dizer. E devia reflectir porque é que 80 e tal por cento dos professores concorrem mesmo sem mudar.
- Já agora porque é?
- Concorrem porque a estabilidade não só estar num sítio de que não se pode sair. Estabilidade é estar num sítio em que a pessoa se mantenha, mas que simultaneamente se mantenha com estabilidade do ponto de vista emocional e familiar.
- Este sistema, em sua opinião, não tem grandes vantagens.
- Do ponto de vista prático posso dizer-lhe que as mobilidades este ano não foram muito diferentes dos outros. Porque o concurso era anual, em teoria podiam concorrer 100 por cento dos professores, mas como cada vez havia menos vagas, mesmo com esse sistema as mudanças eram residuais.
- E o inglês no primeiro ciclo. Não foi uma medida positiva?
- Nós não estamos contra o inglês. O que nós fomos contra é que o Ministério tivesse introduzido o inglês de uma forma que discrimina alunos e não o tivesse introduzido no currículo. Porque o problema é que ao introduzir o inglês nos prolongamentos de horário está a fazê-lo sem qualidade. Porque há pessoas não habilitadas a dar inglês. E depois está a fazê-lo num tempo onde nem todos os alunos podem estar.
- Está a falar nos prolongamentos dos horários até às cinco e meia da tarde?
- Sim. Porque nem todos os pais têm vida para que os seus filhos estejam na escola até a essa hora. Porque só saem às sete. E ao meter o inglês nesse prolongamento de horário há muitos alunos que não o têm. É facultativo.
- O Governo fala sempre disso como uma grande medida.
- Os cartazes dizem que 99 por cento das escolas têm inglês. Pois têm. Mas agora interessava ver a percentagem de alunos que frequentam as aulas.
- Saindo às cinco e meia não podem ir o resto do tempo para os ATL?
- Os ATL, como é evidente, não os aceitam por hora e meia.
- Os prolongamentos também não são bons, portanto?
- Até às cinco e meia não. Porque os pais trabalham até mais tarde. E por isso muitos pais tiram os filhos da escola mal acabam as aulas obrigatórias e metem-nos no ATL até ao fim da tarde.
- Falou em pessoas não habilitadas. Há muitos casos desses? Com empresas externas?
- Exacto. Lembro-me aqui de uma Câmara que tinha o arquitecto da autarquia a dar inglês.
- Em Lisboa?
- Em Lisboa e em todo o lado. O inglês não é curricular, é fora do horário lectivo, discrimina alunos. E isto é um problema. Porque um professor apanha alunos no segundo ciclo com preparações diferentes. Foi essa a nossa crítica. Não ao inglês propriamente disso. E só fizeram isso para não admitirem professores. Se estivesse no currículo tinham de os contratar.
- Ninguém controla a qualidade?
- Deram essa responsabilidade às Câmaras, as Câmaras contrataram empresas e não se sabe quem é que dá as aulas.
- Mais uma medida falhada, portanto.
- Repare. Uma coisa fundamental para as escolas públicas sobreviverem é terem uma resposta social. É terem uma resposta que sirva as famílias para além das aulas. Porque se isso não acontece as famílias vão procurar escolas privadas.
- Se tiverem dinheiro.
- Obviamente. Se tiverem dinheiro. E até isso é discriminatório. E nós dissemos isso à ministra, que não quis ouvir ninguém. Vão buscar o exemplo que já têm no terreno, que é a chamada componente de apoio à família no pré-escolar.
- Como é que funciona?
- Os jardins de infância públicos têm essa componente creio desde 1997. Foi feito um protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios, em que são transferidas verbas, em que os miúdos têm actividades próprias, com pessoal próprio, com material próprio, com espaços próprios. Generalizem isso para o primeiro ciclo. E é uma resposta correctíssima.
- Veremos se não acaba?
- Pois. Essa é a nossa preocupação. Que destruam o que têm bem no pré-escolar e apliquem os prolongamentos do primeiro ciclo.
- A gestão das escolas. A questão do director. Não concordam com essa mudança?
- Às vezes há a ideia de que os sindicatos são contra tudo. Pelo contrário.
- Essa ideia está muito generalizada. Que são conservadores e têm horror à mudança. Sabe que essa ideia existe.
- Sei perfeitamente. Farto-me de ler isso. Mas não é verdade. Nós reagimos muitas vezes ao tipo de mudança. Mas basta ver o nosso site e as nossas publicações e vê que temos imensas propostas. Nós nunca vamos para nenhuma negociação sem ter propostas. Nunca aconteceu irmos e dizermos que ficava tudo na mesma, que éramos contra isto ou aquilo.
- E sobre a gestão? Qual é a vossa proposta?
- Nós defendemos o que o Conselho Nacional de Educação sempre defendeu. O Conselho defendeu, e muito bem, que se avaliasse o modelo actual, se detectassem os problemas que tinha e que se mudasse o que estava mal. Não era mudar por mudar. E a nossa posição é essa. Vamos fazer uma avaliação do que existe. Isso é que faz sentido. A ministra da Educação não quis saber disso para nada. O que existe vai para o lixo, faz-se outro.
- Supostamente o novo reforça a autonomia das escolas.
- Esse é o discurso. Repare. É verdade que nós preferimos os órgãos colegiais aos unipessoais. É verdade. Mas nem vou dar-lhe muitos argumentos para justificar essa posição. O que interessa é que o actual modelo já permite que as escolas façam essa escolha. Colegial ou um director. Há escolas que têm um director.
- Já há escolas com director?
- Já. Mas é uma das competências das escolas e da sua autonomia. E 98 por cento das escolas optaram por um órgão colegial. Em nome do reforço da autonomia a senhora ministra diz que a partir de agora impomos o unipessoal para toda a gente e não há hipótese de escolha. Actualmente, a autonomia das escolas permite que as escolas decidam se o presidente do conselho executivo é ou não é presidente do conselho pedagógico. E a maior parte das escolas decidiu ter presidentes diferentes. Em nome da autonomia a senhora ministra decidiu que o director vai passar a ser também o presidente do conselho pedagógico.
- É a autonomia à força?
- É. Mas há mais. O Conselho Pedagógico é constituído pelos coordenadores de departamento, escolhidos pelos respectivos elementos. Em nome da autonomia o director vai passar a nomear esses coordenadores. Actualmente as escolas organizam-se em departamentos de acordo com o que lhes é mais favorável. Em nome da autonomia a senhora ministra decidiu que todas escolas vão ter o mesmo número de departamentos. São quatro. E que levam a coisas absurdas gora na avaliação.
- Quais?
- A coisas tão absurdas como um professor de espanhol ou português ir avaliar um professor de alemão porque são todos do mesmo departamento. E por aí adiante. Um de agro-pecuária ir avaliar um de matemática. É por isso que nós dizemos que este modelo de gestão não só põe em causa a autonomia como desvaloriza a componente pedagógica das escolas.
- Afinal, valoriza-se o quê?
- Na organização das escolas o primado do pedagógico prevalece sobre o administrativo. E a grande crítica que nós fazemos a este modelo de gestão é que é exactamente o contrário. O administrativo vai condicionar todas as opções pedagógicas. Tudo bem, que se mude. Mas que se saiba o que se vai mudar.
- Pelo que me está a dizer são mudanças à toa, no ar, em cima do joelho.
- Sabe o que é? Às vezes dá ideia que a senhora ministra ouve aí na rua, no cabeleireiro ou nos sítios onde vai dizerem que a Educação está muito mal. E como a Educação está muito mal, e está, é preciso fazer qualquer coisa. Não se avalia o que existe nem se faz uma coisa que corresponde ao que está mal. É preciso fazer-se qualquer coisa e faz-se.
- A ruptura com este Ministério, com esta ministra é iminente?
- É uma ruptura sobretudo por falta de diálogo.
- É tudo uma questão de diálogo?
- A senhora ministra dizia há dias na televisão, no dia da marcha, que não percebe porque é que nós dizemos que ela não quer reunir connosco porque nunca recusou uma reunião com os sindicatos quando lhe foi pedida. Eu tenho aqui ofícios dela a dizer que recusa. Claro que não queremos reunir sempre com ela. Há delegação de competências, tudo bem. Mas há momentos, politicamente, em que é necessário reunir com a ministra. Discutir a educação, o insucesso, o abandono, questões importantes.
- Isso é verdade. Mas porque é que Portugal está na cauda da Europa em todas as áreas de aprendizagem? Não é só culpa deste Governo.
- Eu acho que tem muito a ver com a situação do País. Não tem só a ver com problemas da escola.
- Não é só um problema da escola? Mas aí corre tudo bem?
- Não. Há problemas da escola e da sua organização. Há problemas de falta de resposta a certos problemas. Dou-lhe um exemplo. Porque é que o insucesso escolar não consegue baixar, e pelo contrário até aumentou um ponto no segundo ano de escolaridade? As pessoas não percebem.
- Porque é?
- Não percebem. Então baixa 20 por cento no secundário e aumenta no segundo ano de escolaridade. Isto é um problema da sociedade que a escola podia atenuar e não resolve.
- Não resolve?
- Não. O Ministério da Educação tem vindo a destruir tudo o que são respostas de apoio. Normalmente chama-se de educação especial, mas não é bem isso. Retirou pessoas de apoio e principalmente está a afunilar o conceito de necessidade educativa especial á situações de deficiência. E este conceito é amplo e abrange muitas outras situações, como o atraso mental ligeiro.
- Não acha que hoje em dia a formação dos professores é má? Porque é que não aceitam o exame de acesso á profissão?
- Essa é uma das nossas preocupações. Foi das primeiras coisas que levámos ao Ministério da Educação. Ora bem, O Ministério da Educação considera que muitas das instituições que formam professores têm fraca qualidade e depois, em vez de cair em cima dessas instituições, de as avaliar, de fiscalizar o que se lá passa e até fechá-las se for caso disso, não. Certifica-lhes os cursos, credita os cursos, financia os cursos e depois quando os jovens chegam cá fora espetam-lhes com um exame em cima para ver se podem ser professores. Isto pode acontecer aos nossos filhos.
- É um absurdo, de facto.
- É mais uma consequência do estatuto. E há instituições dessas que são de vão de escada. E há instituições dessas que permitem que os alunos acabem o curso dando erros ortográficos. Isso é que não é possível. Claro que fazer o exame é mais fácil do que enfrentar certos interesses à volta desses cursos sem qualidade.
- Concorda que se aplique o modelo de um só professor também ao segundo ciclo, como acontece agora com o primeiro?
- Isso é outro absurdo e contraria tudo o que se está a discutir por esse mundo fora. Mesmo no primeiro ciclo começa a fazer sentido que não haja um só professor. Agora querem fazer o mesmo no segundo e nós, mais uma vez, alertámos para o erro de um mesmo professor dar matemática, história, português e por aí adiante. A ministra anunciou novidades já para Setembro. Não sei quem serão os professores, porque os cursos são recentes e ninguém o acabou. Isto é um erro muito grave que vai degradar ainda mais a qualidade do ensino.
- Mas a população em geral não desgosta desta ministra e desta equipa da Educação. Porquê?
- Sabe uma coisa. Esta equipa do Ministério da Educação tem uma arte muito grande, que é a arte da propaganda. Não tenha dúvidas sobre isso. Não tem pejo nenhum em dizer coisas que não são verdade, em faltar à verdade. Que eu sou contra as aulas de substituição, contra os prolongamentos e por aí adiante.
- Por falar de propaganda. O encerramento de escolas com poucas crianças não é uma coisa positiva?
- O problema não é esse. O que é que não é positivo? É considerar que o encerramento é bom em si mesmo. O encerramento de uma escola não é uma questão administrativa. Eu não posso encerrar uma escola porque só tem sete alunos. Se calhar faz mais sentido fechar uma com vinte do que uma com sete. Se os miúdos têm de andar horas para ir à escola não faz sentido nenhum. O problema é que eles têm fechado a olho.
- Mas as câmaras estão a apoiar esse encerramento, não estão?
- Eu acho que há uma coisa que vai dar mal resultado. Prometeram às Câmaras verbas do QREN para construir centros educativos, mas puseram como condição se tivessem aprovado até Dezembro de 2007 as cartas educativas. Mas as cartas educativas só são aceites se as Câmaras fecharem as escolas com menos de sete alunos. E assim foi. E meteram as crianças até em contentores.
- Em contentores?
- Sim, em Lisboa, em Torres Vedras e em outros lados. As crianças estavam em escolas que até tinham tido obras recentes e agora estão em contentores. Dizia a senhora ministra que não percebia os protestos porque até tinham ar condicionado, eram cómodos, portanto, e era uma situação transitória.
- Em Portugal isso é perigoso.
- Posso dizer-lhe o seguinte. Estivemos a fazer contas do QREN e as verbas para a Região Centro. Há cem concelhos. Estão previstos cem milhões de euros até 2013. Estivemos a fazer contas e quando chegámos às 33 câmaras já estava a verba esgotada. Isto quer dizer que fecharam as escolas por conta. Primeiro fizeram as cartas educativas, homologadas pelo Governo, fecharam as escolas e agora quero ver como é que vão resolver o problema quando não tiverem dinheiro.
- Foi tudo feito muito à pressa?
- Tudo à pressa. Na Educação, quando nos vêm com resultados do género baixou 20 por cento o insucesso escolar isso quer dizer que os resultados são falsos.
- Os resultados demoram a aparecer?
- Infelizmente é assim. Às vezes demora uma geração para se verem resultados. E isso acontece quando se tomam medidas consolidadas. Não como tem sido feito. Eu temo que esta gente, este Governo, ande aqui a fazer uns truques para melhorar as estatísticas mas que não resolvem os problemas estruturais. Vamos ver se quando isto tudo assentar a situação não esteja ainda pior do que estava.
- Tem muitos anos de vida sindical. Esta equipa ministerial é a pior que já conheceu?
- Já conheci algumas, como sindicalista e professor. Eu não gosto de dizer que é das piores porque é sempre muito fácil nós dizermos que os que lá estão são os piores porque o que lá vai, lá vai. O que eu acho que esta equipa é das piores é do ponto de vista do relacionamento, do diálogo. Posso dizer-lhe que uma pessoa como o doutor Guilherme d’Oliveira Martins não há outra. Do ponto de vista do diálogo. Era uma pessoa que não era da área, não era da Educação, podia não perceber muito, mas tinha uma capacidade de expressão inesgotável. Tinha sempre a preocupação de argumentar e explicar as suas razões, mesmo no desacordo. Não fazia como estes.
- Estes não argumentam, não explicam os seus pontos de vista?
- Olhe. Há dias estava com o senhor secretário de Estado a falar da gestão das escolas. E dizia-lhe: o Conselho Nacional de Educação e os académicos dizem que é preciso avaliar o que existe e que esta solução não é a melhor. Porque é que insiste nesta solução? A resposta foi: bem, essa é a opinião deles, o nosso pensamento é este e é este que conta. A única resposta deles e assim.
- Sempre?
- Outro caso. A propósito das carreiras e da desvalorização dos professores disse-lhe que a Margaret Tatcher arranjou um problema para o Reino Unido. Não tem professores. As pessoas acharam que não era uma profissão atractiva e foram-se embora. Ficaram lá os medíocres que não tinham alternativa e agora andam na Índia à procura de gente. Sabe qual foi a resposta deles?
- Qual foi?
- Não há problema. Se não existirem professores portugueses o que há mais é no Brasil quem queira. Foi a resposta deles. É assim que discutem connosco. Por isso é que o relacionamento é muito mau. Porque nós podíamos discordar da Manuela Ferreira Leite, que tinha aquela postura hirta, mas era uma relação que existia e que na altura, por exemplo, havendo algumas medidas que ela nos foi anunciando que achava que deveria ou não avançar tinha a preocupação de falar connosco. Repare. Vou dar-lhe um exemplo. Uma vez este secretário de Estado da Educação, no dia de uma greve de professores, quis passar a ideia para fora de que os professores são uns malandros e uns faltosos porque tinham dado seis milhões de faltas.
- Pois foi. A velha questão do absentismo.
- Pois é. A doutora Manuela Ferreira Leite tinha feito esse estudo e um dia falou-nos disso. E fomos com ela fazer as contas, o que este não quis. Quando se fala em seis milhões de faltas pensa-se que são seis milhões de dias. Mas não é. Seis milhões de faltas são seis milhões de tempos. Ora os professores portugueses, se fizermos as contas ao grupo profissional que existe, são responsáveis por um total de mais de cem milhões de tempos por ano. Mas fiquemos pelos cem milhões para facilitar as contas. Sabe o que é que significa seis milhões de faltas? Significa que os professores têm uma taxa de assiduidade de 94 por cento, uma das mais elevadas.
- É a manipulação dos números.
- Exacto. Com o mesmo número. O senhor secretário de Estado podia ter dito, se quisesse valorizar os professores: os professores têm uma taxa de assiduidade de 94 por cento. Ou fazer o que disse: faltaram seis milhões. Aqui há uma intenção clara. Não mentiu. Usou o número para denegrir. A doutora Manuela Ferreira Leite, quando fez as contas, percebeu e não divulgou nada. Porque tinha-nos falado disso.
- O relacionamento com esta equipa é mesmo mau.
- Sabe, o problema desta equipa é que não olhou a meios para atingir os fins e os fins passaram muitas vezes por passar ideias negativas sobre os professores que não eram verdadeiras. E eu quero dizer que nunca fiz o discurso de que a nossa classe profissional é a melhor. A nossa é igual às outras. Tens bons, maus, excelentes, medíocres, tem tudo. Agora não se passe a ideia que são maus. E eles tentaram passar essa ideia.
- O Ministério reduziu o número de sindicalistas a tempo inteiro. Concordou com essa medida?
- Eu aplaudi. A Fenprof aplaudiu.
- Porque?
- Por uma razão muito simples. A taxa de sindicalização dos professores é da ordem dos 75 por cento. É talvez a mais elevada do País. E a Fenprof neste universo é uma organização que, sozinha, tem uma representatividade que é superior a todas juntas. E não sou eu que digo. Foi o Ministério que faz as contas. Dos 106 mil professores sindicalizados, no universo de 136 mil, foi essa a conta que eles fizeram, a Fenprof tinha mais de metade. E o que era estranho, porque nós não sabíamos, foi quando se descobriu que havia no País mil e quinhentos professores a tempo inteiro nos sindicatos e a Fenprof, que é a maior, tinha cerca de 10 por cento. Onde estavam os 90 por cento?
- A Fenprof não precisa de muita gente a tempo inteiro?
- Sabe que nós só temos de ter para trabalhar em qualquer coisa os que precisamos. Porque quando não é assim até podemos tropeçar uns nos outros e depois começam uns a não fazer nada. E, por isso, quando o Ministério disse que ia reduzir de 1500 para 500 a Fenprof aplaudiu. Muito bem. Nós não vamos pôr nem mais nem menos. E ficámos com os mesmos e mesmo assim passámos só para 30 por cento do universo. O Ministério depois disse que ia passar para 300. Nós dissemos que estava bem.
- Também concordaram?
- Sim. Mas dissemos o seguinte: vamos medir a representatividade e não é 300 a medir tudo irmãmente. Vamos ver o que cada um vale e cada um tem em função do que vale. E essa contagem foi feita e a Fenprof manteve rigorosamente o que tinha. Até agora a resolução tem ido no sentido do que nós chamámos de moralização.
- Por isso aplaudiram.
- Estivemos de acordo, participámos e todas essas medidas vieram ao encontro da indispensável e inadiável moralização da questão. O problema é que a partir daqui, e como o Ministério da Educação não conseguiu atingir quem queria, que é a Fenprof, as medidas que começam a ser anunciadas já têm não um carácter de moralização mas um carácter de perseguição e liquidação. E isso não concordamos. Nós discordamos disso.
- Que medidas são essas?
- Eles têm uma proposta de lei que fundamentalmente penaliza as grandes organizações. Está na Assembleia da República e diz que as organizações a partir dos 10 mil associados contam todas por igual. Se tiverem 20 mil, como o Sindicato de Professores da Grande Lisboa, é como se tivessem 10 mil porque a partir dai eles param os plafonds. E isto é feito para quem? Não é feito para quem tem 4 mil. E isso não vamos aceitar.
-O Mário Nogueira há 18 anos que é dirigente sindical.
- Eleito pelos professores
- Sim, claro.
- E há um ano secretário-geral da Fenprof.
- Não acha que os dirigentes, como o senhor, deveriam ter uma reciclagem nas escolas? Irem às escolas, ver a realidade?
- Eu, pessoalmente, às vezes faz-me falta.
- Ir à escola?
- Sim. Exactamente. E quero dizer-lhe até que recusei, para poder estar numa actividade que eu acho muito importante, por duas vezes, dar aulas no ensino superior. Sou efectivo numa escola em Coimbra encostada à minha casa, vou a pé. Em Coimbra. Não me pagam nada para estar aqui. E até recuso que me arranjem um apartamento, por pequeno que fosse, para nunca me conseguir instalar. Prefiro andar com uma mala atrás que é para chegar à sexta-feira e ficar todo contente por ir ao fim do dia na Segunda Circular auto-estrada acima. Agora, de facto, há um grau de exigência que é muito complicado.
- Ser dirigente?
- É assim. O Ministério da Educação marca reuniões umas atrás das outras. Marca porque é obrigado por lei. Se nós tivéssemos uma postura de ir lá e dizer não era fácil. Podia estar na escola e vinha cá ao fim da tarde e ia-me embora. Mas a nossa postura é diferente. Reunimos e trabalhamos as propostas. Eu, esta semana, tive reuniões do Conselho Nacional da Fenprof segunda e terça, do Secretariado na quarta, da Plataforma Sindical na quinta, sexta tive de preparar a reunião com o Ministério de manhã e à tarde lá fui à 5 de Outubro. Que aulas é que poderia dar?
- Nenhuma. É um ritmo infernal.
- É. O problema aqui é que há hoje um conjunto de exigências que nos colocam que dar aulas é uma impossibilidade. Mas quando é possível estamos na escola. Olhe, o presidente do Sindicato da Grande Lisboa, António Avelãs, tem uma componente lectiva, embora reduzida. Onde é possível está-se na escola. Como no Sindicato da Grande Lisboa, em que os principais dirigentes têm todos uma turma na escola. Há situações em que não é possível.
- Mas sente a falta da escola?
- Sinto. Quantas vezes, particularmente nos momentos mais complicados em que uma pessoa anda mais cansada, mais desanimada, penso na escola. Mas veja. O meu sindicato vai ter eleições em Maio e eu tentava libertar-me das funções de coordenador. Foi uma discussão danada e pronto lá vou outra vez ser coordenador. Ao mesmo tempo é o reconhecimento das pessoas pelo nosso trabalho, que votam em nós. E temos elevadas participações nas eleições e congressos muito animados, como o último da Fenprof. Nós não estamos aqui por nomeação da senhora ministra ou seja de quem for. Estamos aqui por escolha daqueles que são muitos, cerca de 70 mil, que são os sindicalizados.
- Admite uma greve de professores no final do ano?
- É um cenário que nós não pomos de lado. Tem de estar sempre em cima da mesa. Se as coisas não se resolverem é uma forma de luta, uma luta grave, forte. Não a descartamos. Eu costumo dizer que para um dirigente sindical a melhor luta é aquela que não é preciso fazer. Porque é aquela que até ao momento da sua concretização os problemas que estavam por detrás da marcação foram resolvidos. Às vezes não é fácil. Nós temos uma forma de luta prevista, temos um processo de mobilização para ela, para ganhar força e depois de as pessoas estarem embaladas nós temos de parar. É um desafio extremamente exigente. Mas repito. A melhor forma de luta é aquela que não se faz porque é sinal que a coisa se resolveu. Porque a luta é instrumental. Não é um objectivo. Não andamos aqui para fazer lutas. Andamos aqui para resolver os problemas. Agora, quando os problemas não se desbloqueiam só resta a luta.
- Como última alternativa?
- Claro. É o último poder que temos. Andamos em negociação com o Governo, não se chega a acordo e o Governo põe cá fora o decreto-lei contra nós. Nós, como não podemos pôr cá fora decretos-leis só temos um poder. Falamos com as pessoas, juntamos aí 100 mil e agora vá, agora é sua vez de deitar cá para fora.
- Quer dizer que a greve é possível?
- Vai depender. Eu acredito que o senhor primeiro-ministro tenha alguma dificuldade do ponto de vista político em substituir a equipa, ainda por cima tão pouco tempo depois de uma remodelação, mas também acredito que o senhor primeiro-ministro queira ganhar as eleições em 2009. E vai ter uma vida muito complicada tendo no ano que antecede as eleições este problema dos professores na rua. Penso, se quer que lhe diga, que esta situação é mais complicada para o Governo do que para nós. Nós tivemos uma prova há uma semana de que a contestação não é uma invenção dos sindicatos, como dizia a senhora ministra, e de que não são os sindicatos a dizer uma coisa e os professores outra, como disse o primeiro-ministro ao Presidente da República no dia 5 de Outubro.
- A bola está, portanto, no lado do Governo?
- Sim, o Ministério da Educação e o Governo é que têm um problema para resolver que é acabar com esta situação de grande crise. Eu estou convencido, sinceramente, que ou o Ministério da Educação e o Governo têm capacidade de ir ao encontro, neste momento, daquilo que os professores querem ou vai ser pior. E nós não estamos a exigir o Céu. Para a semana temos de rever o Estatuto da Carreira Docente. Suspendam a avaliação e depois para o ano vamos fazer essa revisão do estatuto. Queremos fazer as coisas com tempo. Não estamos a exigir o Céu. Agora estamos a dizer se a ministra da Educação mantém a inflexibilidade que manteve até agora...
- Vão para a greve.
- Não sei se vai haver uma greve. Se isto se mantiver e a ministra se mantiver se calhar vai haver. Se isto não se resolver agora e a equipa for substituída se calhar teremos uma situação nova.
- A bola está mesmo do lado do Governo.
- Completamente. Quem tem agora de dizer qualquer coisa é o Governo. Há quem diga que os sindicatos ficaram agora com a responsabilidade porque puseram 100 mil na rua. Não. Há uma semana tivemos 100 mil, uma semana depois o Ministério da Educação tem de dizer o que é que tem para responder aos 100 mil. Acredito que seria um sinal de fragilidade para o primeiro-ministro mexer na equipa agora, mas digo-lhe também que se não o fizer vai ter uma vida difícil num ano antes das eleições. Penso que nestas coisas da política a teimosia às vezes é muito má.
- E Sócrates é teimoso.
- O senhor primeiro-ministro é um bocadinho teimoso, nós todos sabemos isso, mas como acredito que tenha conselheiros, mesmo que ele não consiga descobrir isso, alguém lhe dirá.
PERFIL
Mário Nogueira nasceu em Tomar em 1958. Casado, com um filho médico, Vasco, vive em Coimbra, fez o Magistério do Ensino Primário em 1978 e licenciou-se em Educação pela Escola Superior de Educação de Coimbra em 2001. É professor da EB1 de Santa Apolónia, em Coimbra. É dirigente sindical há 18 anos e começou esta actividade no Sindicato dos Professores da Região Centro, de que foi presidente durante largos anos.
Militante do Partido Comunista Português e adepto ferrenho do Sporting, foi eleito secretário-geral da Federação Nacional dos Professores em 2007 e continua a ser o coordenador do Sindicato de Professores da Região Centro. Nas próximas eleições deste sindicato vai de novo concorrer ao cargo de coordenador.
António Ribeiro Ferreira
Entrevista CM: Mário Nogueira
Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores, afirma que os professores querem ser avaliados, mas não nesta altura do ano lectivo e com este modelo. Diz que Sócrates vai ter um ano complicado se não mudar de ministra e acusa Maria de Lurdes Rodrigues e a sua equipa de fazerem propaganda e de não terem pejo em faltar à verdade.
Correio da Manhã – Os professores aceitam ser avaliados ou não?
Mário Nogueira – Os professores acham que devem ser avaliados. Desde a primeira hora, desde os anos oitenta, quando foi aprovado o primeiro estatuto, os professores e a Fenprof assumiram um modelo de avaliação que, em minha opinião, era mais exigente que este e que os anteriores. O que não era difícil.
- Então o que é que está em causa nesta luta?
- A questão prende-se com o objectivo da avaliação. Uma avaliação, em nossa opinião, deve sobretudo ser orientada para melhorar a qualidade do desempenho dos professores e daí melhorar a qualidade do ensino. Por isso mesmo nós achamos que deve ser uma avaliação sobretudo de matriz formativa.
- O que é que quer dizer com isso?
- Deve servir para que se detectem as dificuldades, os problemas, as lacunas que os professores têm no seu desempenho. Deve servir para elaborar um diagnóstico com esses problemas e deve servir para definir estratégias que podem passar pela formação, pelo acompanhamento e pelo apoio. E podem até, no limite, e nós nunca contrariámos isso, chegando-se à conclusão que o professor não tem condições deve-se, respeitando a sua habilitação, haver um processo de reclassificação de função profissional.
- E na carreira dos professores?
- Também achamos que deve ter repercussão na própria carreira.
- Não aceitam é que condicione a progressão na carreira.
- Não. O que nós somos contra é que a avaliação se oriente sobretudo para isso. Isso está claro nas nossas propostas. E não foi fácil chegarmos a um consenso porque são catorze organizações sindicais. Mas conseguimos construir uma só. O processo começou com catorze propostas diferentes e acabou com uma só de todos os sindicatos. Todos nós fizemos cedências e procurámos assim facilitar a própria negociação.
- Foram negociar com o Ministério uma só proposta?
- Exacto. Porque uma coisa era o Ministério ter uma proposta com que pudéssemos entrar em diálogo e negociação e outra coisa era ter catorze.
- O que é então inaceitável na proposta do Ministério?
- Quando me vêm dizer que esta avaliação tem por objectivo promover a excelência e promovendo-se a excelência parte-se do princípio que os professores vão ser melhores profissionais, vão ter melhor desempenho, vão eventualmente conseguir até na sua avaliação chegar às melhores classificações e depois a promoção da excelência passa por impor mecanismos administrativos, como sejam as quotas, para que os professores não possam ver reflectidas nas classificações aquilo que é o seu desempenho é inaceitável. Somos completamente contra isso.
- Este processo de avaliação, portanto, nem pensar?
- Este processo definitivamente não.
- Querem que seja suspenso.
- Mas sabe que a questão da suspensão neste momento não tem a ver com o modelo. Se fosse o modelo que nós defendêssemos a questão colocava-se na mesma. Neste momento, sobretudo respeitando as crianças, os alunos, introduzir uma coisa que é nova no terceiro período lectivo é irresponsável. É irresponsável.
- Por causa dos testes e dos exames?
- Repare. O terceiro período lectivo é quando os alunos estão a preparar os exames, são os momentos de recuperação, os professores já têm dois períodos lectivos, já têm algum cansaço acumulado, e é quando os professores precisam de ter tudo menos coisas que os distraiam do trabalho com os alunos. Por isso, ir introduzir no terceiro período um factor de instabilidade é irresponsável.
- Essa instabilidade de que fala atinge as escolas?
- Nas escolas. Porque as escolas vão ter de reunir os órgãos, vão ter que aprovar uma série de mecanismos que significa andar a fazer reuniões, a discutir coisas que não estão discutidas, significa aprovar fichas e documentos, instrumentos que as pessoas nem sabem como se têm de fazer, porque não houve formação para isso.
- É uma complicação imensa no final do ano lectivo.
- É. E por isso nós achamos que era lógico que se deixasse, e foi isso que nós dissemos, que se suspendesse neste período.
- Aceitavam que começasse no início do próximo ano lectivo?
- Exactamente. Para que as escolas fossem avançando por si na reflexão e aprovação dos instrumentos e no outro ano começasse em regime experimental.
- Como propôs o socialista António Vitorino?
- O que o doutor António Vitorino disse tem toda a lógica. Primeira era experimental e depois corrigia-se. Muitos dos académicos e especialistas da avaliação consideram que é também aventureirista avançar com a avaliação generalizada a 150 mil professores sem ter havido um teste.
- Não houve experiência nenhuma?
- Nada. Ninguém sabe se, por exemplo, aquelas fichas com aquelas ponderações têm ou não efeitos perversos, o que é que significam no fim da avaliação. A senhora ministra tem afirmado, e muito bem, que não há modelos de avaliação perfeitos. É certo. Agora, ninguém sabe o grau de imperfeição deste. E é um bocado aventureirista e até revela uma falta de responsabilidade avançar com um modelo generalizado, um modelo que até pode ter efeitos perversos na forma como as classificações vão ser feitas. E isto porque ninguém experimentou, eles não experimentaram.
- Não de pode emendar depois de entrar em prática?
- Mas vão fazer o quê se isso acontecer? Andar a remediar, andar a remendar, andar a anular?
- A ministra afirmou que este ano lectivo apenas vão fazer avaliações aos sete mil professores contratados. Isso é não é possível?
- Isso não é verdade.
- Não é verdade?
- Não é verdade, porque a senhora ministra confunde, ou se não confunde quer que as pessoas confundam. Confunde duas coisas. Avaliação com classificação. Os sete mil de que a senhora ministra fala, não sei se são ou não, mas o Ministério certamente saberá e certamente fala verdade, são os contratados que necessitariam de ter uma classificação de serviço. Mas a classificação é o último passo de todo o processo. Ou seja, o processo de avaliação tem entrevistas, tem observações, tem fichas, tem isso tudo.
- É de facto uma grande confusão.
- É estranho. Porque a senhora ministra tem dito muitas vezes que quem contesta a avaliação fá-lo por desinformação mas a senhora ministra no seu discurso procura sistematicamente desinformar as pessoas. E isso é que não é correcto nem justo. Mas mesmo para esses professores contratados a situação é injusta. Estamos a falar de pessoas que foram colocadas no dia 1 de Setembro até final do ano. Só vão ter avaliação para este ano, porque é um contrato de um ano, e é, em nossa opinião, injusto e perigoso fazer incidir a avaliação de um ano de trabalho num período. Quer dizer, desprezar dois terços do seu trabalho e ir avaliar um terço é injusto.
- Recusam por isso que sejam avaliados?
- O que temos dito é que o Ministério da Educação encontre uma forma. Repare, durante dois anos e meio o tempo de serviço na Função Pública esteve congelado e a avaliação de desempenho estava suspensa. E há mais um aspecto curioso. A avaliação de desempenho estava tão ligada à progressão na carreira que os sindicatos durante o tempo do congelamento continuaram a dizer que as pessoas deviam continuar a ser avaliadas nesse período.
- E o que é que respondeu o Ministério?
- Como não havia progressão o Ministério achou que não valia a pena e até deu orientação para não serem avaliadas. Está a ver? Quem é que não quer a avaliação?
- Em vossa opinião, esta avaliação está associada essencialmente a quê?
- Está sobretudo orientada para definir os ritmos de progressão na carreira e a permanência na profissão.
- Apesar disso, há aspectos positivos neste modelo ou não?
- Há alguns parâmetros que poderiam estar na nossa proposta. Isso é evidente. Mas não é essa a questão. Claro que não aceitamos a questão dos resultados e do abandono escolar. É evidente que achamos que os professores devem orientar o seu trabalho para a obtenção dos melhores resultados possíveis dos alunos. Ser avaliados por isso achamos que não.
- Um professor pode chumbar 70 por cento dos alunos e ser excelente.
- Exactamente. É uma situação que deve ser analisada dentro da escola. Se numa turma 70 por cento dos alunos reprovam isso deve merecer uma reflexão. Agora avaliar um professor em função disso não.
- O Ministério diz que esse parâmetro tem um peso reduzido, cerca de 6,5 por cento. É verdade?
- O Ministério diz isso mas até pode ser mais. Nem todos os parâmetros das fichas de avaliação são aplicados a todos os professores. Veja o desempenho de cargos. Há professores que não têm cargos. Neste momento só os titulares. Portanto, a ponderação desse parâmetro vai ser distribuída pelos outros. E nesses casos o parâmetro das notas pode chegar a 10 por cento.
- São 30 parâmetros no todo?
- Sim, no conjunto de todas as fichas. Quando não se aplica um o peso desse é distribuído pelos outros e aumenta a percentagem. Mas achamos bem que seja avaliado na sua relação pedagógica com os alunos, por exemplo.
- E as observações das aulas. Concordam?
- Não somos contra as observações de aulas ou as entrevistas. O que achamos que é um bocado absurdo é que obrigatoriamente por ano os professores tenham de ter três observações. O que significa por ano meio milhão de observações de aulas.
- Mas concordam que existam.
- Sim. Mas o que nós defendemos é que a observação é um instrumento de avaliação que deveria ser utilizado nos casos de avaliação excepcional, ou para cima ou para baixo, para retirar dúvidas que existissem, em situações dúbias ou a pedido das pessoas. Não estamos nada contra isto.
- E as entrevistas.
- Também não. Em situações em que se torna necessário tirar dúvidas é aceitável que a pessoa tenha uma entrevista. Agora que obrigatoriamente, 150 mil pessoas tenham de ser entrevistadas por ano, isso é que achamos que é a burocratização do processo.
- Como é que explica então esta ruptura entre os sindicatos e o Ministério da Educação? Não é só por causa da avaliação.
- Não, eu acho que a avaliação está extremamente valorizada agora porque é uma questão muito em cima da mesa. O problema da avaliação não é o mais grave do Estatuto da Carreira. O problema é mais grosso.
- O problema está no Estatuto da Carreira Docente?
- Quando avançámos para o início da revisão do Estatuto da Carreira Docente nós tínhamos uma experiência positiva em relação aos anteriores. A última e a primeira, que foi em 1997, foi um processo em que com menos reuniões se chegou a resultados.
- No tempo do Governo de Guterres.
- Sim. Foi um processo que começou por aquilo que o secretário de Estado da altura, Guilherme d’Oliveira Martins, chamava de a comissão de partir pedra. Eram reuniões técnicas, não eram políticas, em que nós identificámos o que estava bem, em que não era preciso mexer, e o que é que estava mal. Fomos desbravando terreno até que entrámos na parte negocial, já na negociação política, que terminou com um acordo. O que mostra que nós fazemos acordos.
- A ideia que passa não é bem essa. É que dizem não a tudo.
- Vou-lhe dar um exemplo. Acho que isto é importante porque às vezes se valoriza muito a senhora ministra e os sindicatos são sempre do contra. Ainda recentemente chegámos a acordo com a Associação dos Estabelecimentos Privados (AEP) sobre a avaliação dos professores. Portanto, nem somos contra o modelo de avaliação e até temos no nosso currículo recente precisamente este acordo com a AEP. O que nem sempre é fácil, até porque os graus de dependência são superiores aos da Função Pública.
- Estava a falar nas negociações de 1997. E agora, com esta ministra, como foi?
- Nós partimos para este processo com a senhora ministra da Educação a dizer que vai fazer-se a revisão do Estatuto, vai negociar-se a revisão do Estatuto, mas nem tudo vai estar em cima da mesa, nem tudo vai estar em negociação.
- O que é que ficou de fora?
- Ficaram aspectos fundamentais. As quotas na avaliação, a questão dos resultados escolares como sendo um dos parâmetros com peso na avaliação, a divisão da carreira em categoria com um exame.
- Também estão contra esse exame?
- Nós chegámos a admitir um exame. Em que os professores não tivessem que fazer apenas a avaliação normal mas em que tivessem também de fazer prova curricular, tivessem de fazer uma prova, não lhe vou chamar de exame. Nós admitíamos isso desde que o Ministério da Educação aceitasse que quem mostrasse competência, capacidade e mérito para passar no exame passasse.
- O que é que o Ministério disse?
- Muito simples. Disse que aceitava isso mas que, mesmo que os 150 mil professores passassem era o Ministério que definia quem podia avançar em função das vagas.
- Por um lado as quotas e por outro as vagas?
- Nós temos duas coisas. As quotas e as vagas de acesso aos três escalões de topo. Nós chegámos a admitir isso. Mesmo contra a opinião de alguns colegas. Fizemos essa proposta em nome da Plataforma. Agora, se o professor tem mérito, tem mérito. Não tem, não tem. Fica ali. Não aceitaram. Está a ver. Há a questão das quotas, das vagas, das categorias e dos horários de trabalho. Não aceitaram nada.
- Também contestaram as aulas de substituição.
- Não. Está a ver, isso é outra coisa. Há dias li o que escreveu. Nós nunca fomos contra as aulas de substituição. Isso é outro dos equívocos que a senhora ministra lançou. O que nós dissemos sempre foi que as aulas de substituição devem ser de acordo com o que está na lei. Porque as aulas de substituição não foi uma invenção desta ministra. Já se faziam.
- Então porque é que houve mais esta guerra.
- Repare. A própria ministra, quando se reuniu com a Fenprof em Outubro ou Novembro de 2005, faz agora três anos, disse que era necessário corporizar as aulas de substituição que estavam previstas no Estatuto. Nós dissemos que já existiam.
- E que disse a ministra?
- Disse que existiam apenas em sete por cento das escolas. É verdade. Mas tinham o processo bem organizado. Ora se o Ministério diz que valoriza muito as boas práticas peguemos nesses sete por cento e vamos generalizar.
- Não fez isso?
- Não. A senhora ministra achou que tinha era que liquidar esses sete por cento. E a grande discussão que tivemos foi sobre a organização das aulas. Porque as aulas, nos termos da lei obedeciam a certas regras. Não era só a questão do pagamento.
- Mas também era, ou não?
- Também. Porque a aulas de substituição é um momento de actividade lectiva que acresce à actividade lectiva que o professor tem.
- Os professores têm horários definidos?
- Por exemplo. Um professor tem um horário de 25 horas, um horário lectivo completo e depois quando entra numa aula de substituição fica com mais aula. E a lei previa isso como serviço extraordinário.
- Não era a questão principal?
- Não era só isso. O que a lei previa, e foi sempre o que dissemos e que evitava aquela história do professor de matemática ir substituir o de inglês, era que os professores tinham que informar, pelo menos na véspera, que iam faltar. E a escola tinha de avisar um colega do grupo para dar essa aula de substituição. E foi isso que nós defendemos.
- À primeira vista parece lógico.
- O que nós exigimos foi muito claro. Exigimos que o Ministério respeitasse estritamente o que estava no Estatuto da Carreira Docente, que estava bem, estava correcto.
- E não quiseram porquê?
- Não quiseram essencialmente por causa do dinheiro.
- É sempre uma questão de dinheiro?
- É sempre. Eles não quiseram por causa do pagamento. E a ruptura dá-se precisamente por eles não quererem respeitar a lei. E é isso que nos leva a ir para o tribunal.
- As célebres acções no Tribunal Administrativo. Nem aí há a acordo sobre as sentenças.
- Exacto. O secretário de Estado da Educação foi sempre dizendo que não era nada e que podíamos ir. Nós ganhámos os processos todos.
- Aí também não se entendem.
- Há dias vi-o dizer que tinha nove processos. Gostava de saber quais são porque não tem nada. Mas ganhámos, eles recorreram dos que podiam recorrer – e a incompetência é de tal ordem que até deixaram passar um sem recorrer -, e mesmo nesses perderam. Portanto, nós temos oito, bastavam cinco em que não podem mexer porque já passaram os prazos de recurso, temos mais três em recurso. E deu nisto.
- Esse pagamento vai custar os tais três milhões de euros?
- A questão principal não é essa. A questão não é o professor ir cobrar as duas horas ou três que fez a mais. Alguns já nem se lembram e outros já estão aposentados. A questão é política. Política no aspecto de que as leis são para cumprir. Não somos nós que as fazemos.
- O mesmo acontece nas providências cautelares?
- Exacto. Não fomos nós que concebemos este modelo de avaliação. Não fomos nós que dissemos que tinha de haver um Conselho Científico com recomendações. Foram eles que impuseram isso. Então agora têm de cumprir a lei. E a ministra aproveitou a ruptura nas aulas de substituição para vir dizer que, vejam lá, eu aqui tão preocupada a criar as aulas de substituição e eles agora não as querem. Nunca esteve em cima da mesa querer ou não querer.
- A ruptura com a ministra é total em quase todos os pontos. Mas não houve nada de positivo? Nem mesmo os concursos de colocação válidos por três anos?
- Mesmos nos concursos a senhora ministra parte de uma afirmação que não é verdade. A senhora ministra disse que tinha conseguido que os cerca de 70 ou 80 por cento dos professores que mudavam de escola todos os anos ficassem na mesma escola três anos.
- E isso não é verdade?
- Não. O que tinha acontecido no último ano de concurso é que 80 e tal por cento dos professores tinham concorrido. O que aconteceu é que mudaram de escola 16 por cento. E isso ela nunca disse. Joga com os números.
- Isso não sabia.
- Foi isso. O número real foi esse. Só 16 por cento mudaram de escola. Repare. Não são 16 por cento dos professores. Foram 16 por cento dos que se candidataram. Isso é que ela devia dizer. E devia reflectir porque é que 80 e tal por cento dos professores concorrem mesmo sem mudar.
- Já agora porque é?
- Concorrem porque a estabilidade não só estar num sítio de que não se pode sair. Estabilidade é estar num sítio em que a pessoa se mantenha, mas que simultaneamente se mantenha com estabilidade do ponto de vista emocional e familiar.
- Este sistema, em sua opinião, não tem grandes vantagens.
- Do ponto de vista prático posso dizer-lhe que as mobilidades este ano não foram muito diferentes dos outros. Porque o concurso era anual, em teoria podiam concorrer 100 por cento dos professores, mas como cada vez havia menos vagas, mesmo com esse sistema as mudanças eram residuais.
- E o inglês no primeiro ciclo. Não foi uma medida positiva?
- Nós não estamos contra o inglês. O que nós fomos contra é que o Ministério tivesse introduzido o inglês de uma forma que discrimina alunos e não o tivesse introduzido no currículo. Porque o problema é que ao introduzir o inglês nos prolongamentos de horário está a fazê-lo sem qualidade. Porque há pessoas não habilitadas a dar inglês. E depois está a fazê-lo num tempo onde nem todos os alunos podem estar.
- Está a falar nos prolongamentos dos horários até às cinco e meia da tarde?
- Sim. Porque nem todos os pais têm vida para que os seus filhos estejam na escola até a essa hora. Porque só saem às sete. E ao meter o inglês nesse prolongamento de horário há muitos alunos que não o têm. É facultativo.
- O Governo fala sempre disso como uma grande medida.
- Os cartazes dizem que 99 por cento das escolas têm inglês. Pois têm. Mas agora interessava ver a percentagem de alunos que frequentam as aulas.
- Saindo às cinco e meia não podem ir o resto do tempo para os ATL?
- Os ATL, como é evidente, não os aceitam por hora e meia.
- Os prolongamentos também não são bons, portanto?
- Até às cinco e meia não. Porque os pais trabalham até mais tarde. E por isso muitos pais tiram os filhos da escola mal acabam as aulas obrigatórias e metem-nos no ATL até ao fim da tarde.
- Falou em pessoas não habilitadas. Há muitos casos desses? Com empresas externas?
- Exacto. Lembro-me aqui de uma Câmara que tinha o arquitecto da autarquia a dar inglês.
- Em Lisboa?
- Em Lisboa e em todo o lado. O inglês não é curricular, é fora do horário lectivo, discrimina alunos. E isto é um problema. Porque um professor apanha alunos no segundo ciclo com preparações diferentes. Foi essa a nossa crítica. Não ao inglês propriamente disso. E só fizeram isso para não admitirem professores. Se estivesse no currículo tinham de os contratar.
- Ninguém controla a qualidade?
- Deram essa responsabilidade às Câmaras, as Câmaras contrataram empresas e não se sabe quem é que dá as aulas.
- Mais uma medida falhada, portanto.
- Repare. Uma coisa fundamental para as escolas públicas sobreviverem é terem uma resposta social. É terem uma resposta que sirva as famílias para além das aulas. Porque se isso não acontece as famílias vão procurar escolas privadas.
- Se tiverem dinheiro.
- Obviamente. Se tiverem dinheiro. E até isso é discriminatório. E nós dissemos isso à ministra, que não quis ouvir ninguém. Vão buscar o exemplo que já têm no terreno, que é a chamada componente de apoio à família no pré-escolar.
- Como é que funciona?
- Os jardins de infância públicos têm essa componente creio desde 1997. Foi feito um protocolo entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios, em que são transferidas verbas, em que os miúdos têm actividades próprias, com pessoal próprio, com material próprio, com espaços próprios. Generalizem isso para o primeiro ciclo. E é uma resposta correctíssima.
- Veremos se não acaba?
- Pois. Essa é a nossa preocupação. Que destruam o que têm bem no pré-escolar e apliquem os prolongamentos do primeiro ciclo.
- A gestão das escolas. A questão do director. Não concordam com essa mudança?
- Às vezes há a ideia de que os sindicatos são contra tudo. Pelo contrário.
- Essa ideia está muito generalizada. Que são conservadores e têm horror à mudança. Sabe que essa ideia existe.
- Sei perfeitamente. Farto-me de ler isso. Mas não é verdade. Nós reagimos muitas vezes ao tipo de mudança. Mas basta ver o nosso site e as nossas publicações e vê que temos imensas propostas. Nós nunca vamos para nenhuma negociação sem ter propostas. Nunca aconteceu irmos e dizermos que ficava tudo na mesma, que éramos contra isto ou aquilo.
- E sobre a gestão? Qual é a vossa proposta?
- Nós defendemos o que o Conselho Nacional de Educação sempre defendeu. O Conselho defendeu, e muito bem, que se avaliasse o modelo actual, se detectassem os problemas que tinha e que se mudasse o que estava mal. Não era mudar por mudar. E a nossa posição é essa. Vamos fazer uma avaliação do que existe. Isso é que faz sentido. A ministra da Educação não quis saber disso para nada. O que existe vai para o lixo, faz-se outro.
- Supostamente o novo reforça a autonomia das escolas.
- Esse é o discurso. Repare. É verdade que nós preferimos os órgãos colegiais aos unipessoais. É verdade. Mas nem vou dar-lhe muitos argumentos para justificar essa posição. O que interessa é que o actual modelo já permite que as escolas façam essa escolha. Colegial ou um director. Há escolas que têm um director.
- Já há escolas com director?
- Já. Mas é uma das competências das escolas e da sua autonomia. E 98 por cento das escolas optaram por um órgão colegial. Em nome do reforço da autonomia a senhora ministra diz que a partir de agora impomos o unipessoal para toda a gente e não há hipótese de escolha. Actualmente, a autonomia das escolas permite que as escolas decidam se o presidente do conselho executivo é ou não é presidente do conselho pedagógico. E a maior parte das escolas decidiu ter presidentes diferentes. Em nome da autonomia a senhora ministra decidiu que o director vai passar a ser também o presidente do conselho pedagógico.
- É a autonomia à força?
- É. Mas há mais. O Conselho Pedagógico é constituído pelos coordenadores de departamento, escolhidos pelos respectivos elementos. Em nome da autonomia o director vai passar a nomear esses coordenadores. Actualmente as escolas organizam-se em departamentos de acordo com o que lhes é mais favorável. Em nome da autonomia a senhora ministra decidiu que todas escolas vão ter o mesmo número de departamentos. São quatro. E que levam a coisas absurdas gora na avaliação.
- Quais?
- A coisas tão absurdas como um professor de espanhol ou português ir avaliar um professor de alemão porque são todos do mesmo departamento. E por aí adiante. Um de agro-pecuária ir avaliar um de matemática. É por isso que nós dizemos que este modelo de gestão não só põe em causa a autonomia como desvaloriza a componente pedagógica das escolas.
- Afinal, valoriza-se o quê?
- Na organização das escolas o primado do pedagógico prevalece sobre o administrativo. E a grande crítica que nós fazemos a este modelo de gestão é que é exactamente o contrário. O administrativo vai condicionar todas as opções pedagógicas. Tudo bem, que se mude. Mas que se saiba o que se vai mudar.
- Pelo que me está a dizer são mudanças à toa, no ar, em cima do joelho.
- Sabe o que é? Às vezes dá ideia que a senhora ministra ouve aí na rua, no cabeleireiro ou nos sítios onde vai dizerem que a Educação está muito mal. E como a Educação está muito mal, e está, é preciso fazer qualquer coisa. Não se avalia o que existe nem se faz uma coisa que corresponde ao que está mal. É preciso fazer-se qualquer coisa e faz-se.
- A ruptura com este Ministério, com esta ministra é iminente?
- É uma ruptura sobretudo por falta de diálogo.
- É tudo uma questão de diálogo?
- A senhora ministra dizia há dias na televisão, no dia da marcha, que não percebe porque é que nós dizemos que ela não quer reunir connosco porque nunca recusou uma reunião com os sindicatos quando lhe foi pedida. Eu tenho aqui ofícios dela a dizer que recusa. Claro que não queremos reunir sempre com ela. Há delegação de competências, tudo bem. Mas há momentos, politicamente, em que é necessário reunir com a ministra. Discutir a educação, o insucesso, o abandono, questões importantes.
- Isso é verdade. Mas porque é que Portugal está na cauda da Europa em todas as áreas de aprendizagem? Não é só culpa deste Governo.
- Eu acho que tem muito a ver com a situação do País. Não tem só a ver com problemas da escola.
- Não é só um problema da escola? Mas aí corre tudo bem?
- Não. Há problemas da escola e da sua organização. Há problemas de falta de resposta a certos problemas. Dou-lhe um exemplo. Porque é que o insucesso escolar não consegue baixar, e pelo contrário até aumentou um ponto no segundo ano de escolaridade? As pessoas não percebem.
- Porque é?
- Não percebem. Então baixa 20 por cento no secundário e aumenta no segundo ano de escolaridade. Isto é um problema da sociedade que a escola podia atenuar e não resolve.
- Não resolve?
- Não. O Ministério da Educação tem vindo a destruir tudo o que são respostas de apoio. Normalmente chama-se de educação especial, mas não é bem isso. Retirou pessoas de apoio e principalmente está a afunilar o conceito de necessidade educativa especial á situações de deficiência. E este conceito é amplo e abrange muitas outras situações, como o atraso mental ligeiro.
- Não acha que hoje em dia a formação dos professores é má? Porque é que não aceitam o exame de acesso á profissão?
- Essa é uma das nossas preocupações. Foi das primeiras coisas que levámos ao Ministério da Educação. Ora bem, O Ministério da Educação considera que muitas das instituições que formam professores têm fraca qualidade e depois, em vez de cair em cima dessas instituições, de as avaliar, de fiscalizar o que se lá passa e até fechá-las se for caso disso, não. Certifica-lhes os cursos, credita os cursos, financia os cursos e depois quando os jovens chegam cá fora espetam-lhes com um exame em cima para ver se podem ser professores. Isto pode acontecer aos nossos filhos.
- É um absurdo, de facto.
- É mais uma consequência do estatuto. E há instituições dessas que são de vão de escada. E há instituições dessas que permitem que os alunos acabem o curso dando erros ortográficos. Isso é que não é possível. Claro que fazer o exame é mais fácil do que enfrentar certos interesses à volta desses cursos sem qualidade.
- Concorda que se aplique o modelo de um só professor também ao segundo ciclo, como acontece agora com o primeiro?
- Isso é outro absurdo e contraria tudo o que se está a discutir por esse mundo fora. Mesmo no primeiro ciclo começa a fazer sentido que não haja um só professor. Agora querem fazer o mesmo no segundo e nós, mais uma vez, alertámos para o erro de um mesmo professor dar matemática, história, português e por aí adiante. A ministra anunciou novidades já para Setembro. Não sei quem serão os professores, porque os cursos são recentes e ninguém o acabou. Isto é um erro muito grave que vai degradar ainda mais a qualidade do ensino.
- Mas a população em geral não desgosta desta ministra e desta equipa da Educação. Porquê?
- Sabe uma coisa. Esta equipa do Ministério da Educação tem uma arte muito grande, que é a arte da propaganda. Não tenha dúvidas sobre isso. Não tem pejo nenhum em dizer coisas que não são verdade, em faltar à verdade. Que eu sou contra as aulas de substituição, contra os prolongamentos e por aí adiante.
- Por falar de propaganda. O encerramento de escolas com poucas crianças não é uma coisa positiva?
- O problema não é esse. O que é que não é positivo? É considerar que o encerramento é bom em si mesmo. O encerramento de uma escola não é uma questão administrativa. Eu não posso encerrar uma escola porque só tem sete alunos. Se calhar faz mais sentido fechar uma com vinte do que uma com sete. Se os miúdos têm de andar horas para ir à escola não faz sentido nenhum. O problema é que eles têm fechado a olho.
- Mas as câmaras estão a apoiar esse encerramento, não estão?
- Eu acho que há uma coisa que vai dar mal resultado. Prometeram às Câmaras verbas do QREN para construir centros educativos, mas puseram como condição se tivessem aprovado até Dezembro de 2007 as cartas educativas. Mas as cartas educativas só são aceites se as Câmaras fecharem as escolas com menos de sete alunos. E assim foi. E meteram as crianças até em contentores.
- Em contentores?
- Sim, em Lisboa, em Torres Vedras e em outros lados. As crianças estavam em escolas que até tinham tido obras recentes e agora estão em contentores. Dizia a senhora ministra que não percebia os protestos porque até tinham ar condicionado, eram cómodos, portanto, e era uma situação transitória.
- Em Portugal isso é perigoso.
- Posso dizer-lhe o seguinte. Estivemos a fazer contas do QREN e as verbas para a Região Centro. Há cem concelhos. Estão previstos cem milhões de euros até 2013. Estivemos a fazer contas e quando chegámos às 33 câmaras já estava a verba esgotada. Isto quer dizer que fecharam as escolas por conta. Primeiro fizeram as cartas educativas, homologadas pelo Governo, fecharam as escolas e agora quero ver como é que vão resolver o problema quando não tiverem dinheiro.
- Foi tudo feito muito à pressa?
- Tudo à pressa. Na Educação, quando nos vêm com resultados do género baixou 20 por cento o insucesso escolar isso quer dizer que os resultados são falsos.
- Os resultados demoram a aparecer?
- Infelizmente é assim. Às vezes demora uma geração para se verem resultados. E isso acontece quando se tomam medidas consolidadas. Não como tem sido feito. Eu temo que esta gente, este Governo, ande aqui a fazer uns truques para melhorar as estatísticas mas que não resolvem os problemas estruturais. Vamos ver se quando isto tudo assentar a situação não esteja ainda pior do que estava.
- Tem muitos anos de vida sindical. Esta equipa ministerial é a pior que já conheceu?
- Já conheci algumas, como sindicalista e professor. Eu não gosto de dizer que é das piores porque é sempre muito fácil nós dizermos que os que lá estão são os piores porque o que lá vai, lá vai. O que eu acho que esta equipa é das piores é do ponto de vista do relacionamento, do diálogo. Posso dizer-lhe que uma pessoa como o doutor Guilherme d’Oliveira Martins não há outra. Do ponto de vista do diálogo. Era uma pessoa que não era da área, não era da Educação, podia não perceber muito, mas tinha uma capacidade de expressão inesgotável. Tinha sempre a preocupação de argumentar e explicar as suas razões, mesmo no desacordo. Não fazia como estes.
- Estes não argumentam, não explicam os seus pontos de vista?
- Olhe. Há dias estava com o senhor secretário de Estado a falar da gestão das escolas. E dizia-lhe: o Conselho Nacional de Educação e os académicos dizem que é preciso avaliar o que existe e que esta solução não é a melhor. Porque é que insiste nesta solução? A resposta foi: bem, essa é a opinião deles, o nosso pensamento é este e é este que conta. A única resposta deles e assim.
- Sempre?
- Outro caso. A propósito das carreiras e da desvalorização dos professores disse-lhe que a Margaret Tatcher arranjou um problema para o Reino Unido. Não tem professores. As pessoas acharam que não era uma profissão atractiva e foram-se embora. Ficaram lá os medíocres que não tinham alternativa e agora andam na Índia à procura de gente. Sabe qual foi a resposta deles?
- Qual foi?
- Não há problema. Se não existirem professores portugueses o que há mais é no Brasil quem queira. Foi a resposta deles. É assim que discutem connosco. Por isso é que o relacionamento é muito mau. Porque nós podíamos discordar da Manuela Ferreira Leite, que tinha aquela postura hirta, mas era uma relação que existia e que na altura, por exemplo, havendo algumas medidas que ela nos foi anunciando que achava que deveria ou não avançar tinha a preocupação de falar connosco. Repare. Vou dar-lhe um exemplo. Uma vez este secretário de Estado da Educação, no dia de uma greve de professores, quis passar a ideia para fora de que os professores são uns malandros e uns faltosos porque tinham dado seis milhões de faltas.
- Pois foi. A velha questão do absentismo.
- Pois é. A doutora Manuela Ferreira Leite tinha feito esse estudo e um dia falou-nos disso. E fomos com ela fazer as contas, o que este não quis. Quando se fala em seis milhões de faltas pensa-se que são seis milhões de dias. Mas não é. Seis milhões de faltas são seis milhões de tempos. Ora os professores portugueses, se fizermos as contas ao grupo profissional que existe, são responsáveis por um total de mais de cem milhões de tempos por ano. Mas fiquemos pelos cem milhões para facilitar as contas. Sabe o que é que significa seis milhões de faltas? Significa que os professores têm uma taxa de assiduidade de 94 por cento, uma das mais elevadas.
- É a manipulação dos números.
- Exacto. Com o mesmo número. O senhor secretário de Estado podia ter dito, se quisesse valorizar os professores: os professores têm uma taxa de assiduidade de 94 por cento. Ou fazer o que disse: faltaram seis milhões. Aqui há uma intenção clara. Não mentiu. Usou o número para denegrir. A doutora Manuela Ferreira Leite, quando fez as contas, percebeu e não divulgou nada. Porque tinha-nos falado disso.
- O relacionamento com esta equipa é mesmo mau.
- Sabe, o problema desta equipa é que não olhou a meios para atingir os fins e os fins passaram muitas vezes por passar ideias negativas sobre os professores que não eram verdadeiras. E eu quero dizer que nunca fiz o discurso de que a nossa classe profissional é a melhor. A nossa é igual às outras. Tens bons, maus, excelentes, medíocres, tem tudo. Agora não se passe a ideia que são maus. E eles tentaram passar essa ideia.
- O Ministério reduziu o número de sindicalistas a tempo inteiro. Concordou com essa medida?
- Eu aplaudi. A Fenprof aplaudiu.
- Porque?
- Por uma razão muito simples. A taxa de sindicalização dos professores é da ordem dos 75 por cento. É talvez a mais elevada do País. E a Fenprof neste universo é uma organização que, sozinha, tem uma representatividade que é superior a todas juntas. E não sou eu que digo. Foi o Ministério que faz as contas. Dos 106 mil professores sindicalizados, no universo de 136 mil, foi essa a conta que eles fizeram, a Fenprof tinha mais de metade. E o que era estranho, porque nós não sabíamos, foi quando se descobriu que havia no País mil e quinhentos professores a tempo inteiro nos sindicatos e a Fenprof, que é a maior, tinha cerca de 10 por cento. Onde estavam os 90 por cento?
- A Fenprof não precisa de muita gente a tempo inteiro?
- Sabe que nós só temos de ter para trabalhar em qualquer coisa os que precisamos. Porque quando não é assim até podemos tropeçar uns nos outros e depois começam uns a não fazer nada. E, por isso, quando o Ministério disse que ia reduzir de 1500 para 500 a Fenprof aplaudiu. Muito bem. Nós não vamos pôr nem mais nem menos. E ficámos com os mesmos e mesmo assim passámos só para 30 por cento do universo. O Ministério depois disse que ia passar para 300. Nós dissemos que estava bem.
- Também concordaram?
- Sim. Mas dissemos o seguinte: vamos medir a representatividade e não é 300 a medir tudo irmãmente. Vamos ver o que cada um vale e cada um tem em função do que vale. E essa contagem foi feita e a Fenprof manteve rigorosamente o que tinha. Até agora a resolução tem ido no sentido do que nós chamámos de moralização.
- Por isso aplaudiram.
- Estivemos de acordo, participámos e todas essas medidas vieram ao encontro da indispensável e inadiável moralização da questão. O problema é que a partir daqui, e como o Ministério da Educação não conseguiu atingir quem queria, que é a Fenprof, as medidas que começam a ser anunciadas já têm não um carácter de moralização mas um carácter de perseguição e liquidação. E isso não concordamos. Nós discordamos disso.
- Que medidas são essas?
- Eles têm uma proposta de lei que fundamentalmente penaliza as grandes organizações. Está na Assembleia da República e diz que as organizações a partir dos 10 mil associados contam todas por igual. Se tiverem 20 mil, como o Sindicato de Professores da Grande Lisboa, é como se tivessem 10 mil porque a partir dai eles param os plafonds. E isto é feito para quem? Não é feito para quem tem 4 mil. E isso não vamos aceitar.
-O Mário Nogueira há 18 anos que é dirigente sindical.
- Eleito pelos professores
- Sim, claro.
- E há um ano secretário-geral da Fenprof.
- Não acha que os dirigentes, como o senhor, deveriam ter uma reciclagem nas escolas? Irem às escolas, ver a realidade?
- Eu, pessoalmente, às vezes faz-me falta.
- Ir à escola?
- Sim. Exactamente. E quero dizer-lhe até que recusei, para poder estar numa actividade que eu acho muito importante, por duas vezes, dar aulas no ensino superior. Sou efectivo numa escola em Coimbra encostada à minha casa, vou a pé. Em Coimbra. Não me pagam nada para estar aqui. E até recuso que me arranjem um apartamento, por pequeno que fosse, para nunca me conseguir instalar. Prefiro andar com uma mala atrás que é para chegar à sexta-feira e ficar todo contente por ir ao fim do dia na Segunda Circular auto-estrada acima. Agora, de facto, há um grau de exigência que é muito complicado.
- Ser dirigente?
- É assim. O Ministério da Educação marca reuniões umas atrás das outras. Marca porque é obrigado por lei. Se nós tivéssemos uma postura de ir lá e dizer não era fácil. Podia estar na escola e vinha cá ao fim da tarde e ia-me embora. Mas a nossa postura é diferente. Reunimos e trabalhamos as propostas. Eu, esta semana, tive reuniões do Conselho Nacional da Fenprof segunda e terça, do Secretariado na quarta, da Plataforma Sindical na quinta, sexta tive de preparar a reunião com o Ministério de manhã e à tarde lá fui à 5 de Outubro. Que aulas é que poderia dar?
- Nenhuma. É um ritmo infernal.
- É. O problema aqui é que há hoje um conjunto de exigências que nos colocam que dar aulas é uma impossibilidade. Mas quando é possível estamos na escola. Olhe, o presidente do Sindicato da Grande Lisboa, António Avelãs, tem uma componente lectiva, embora reduzida. Onde é possível está-se na escola. Como no Sindicato da Grande Lisboa, em que os principais dirigentes têm todos uma turma na escola. Há situações em que não é possível.
- Mas sente a falta da escola?
- Sinto. Quantas vezes, particularmente nos momentos mais complicados em que uma pessoa anda mais cansada, mais desanimada, penso na escola. Mas veja. O meu sindicato vai ter eleições em Maio e eu tentava libertar-me das funções de coordenador. Foi uma discussão danada e pronto lá vou outra vez ser coordenador. Ao mesmo tempo é o reconhecimento das pessoas pelo nosso trabalho, que votam em nós. E temos elevadas participações nas eleições e congressos muito animados, como o último da Fenprof. Nós não estamos aqui por nomeação da senhora ministra ou seja de quem for. Estamos aqui por escolha daqueles que são muitos, cerca de 70 mil, que são os sindicalizados.
- Admite uma greve de professores no final do ano?
- É um cenário que nós não pomos de lado. Tem de estar sempre em cima da mesa. Se as coisas não se resolverem é uma forma de luta, uma luta grave, forte. Não a descartamos. Eu costumo dizer que para um dirigente sindical a melhor luta é aquela que não é preciso fazer. Porque é aquela que até ao momento da sua concretização os problemas que estavam por detrás da marcação foram resolvidos. Às vezes não é fácil. Nós temos uma forma de luta prevista, temos um processo de mobilização para ela, para ganhar força e depois de as pessoas estarem embaladas nós temos de parar. É um desafio extremamente exigente. Mas repito. A melhor forma de luta é aquela que não se faz porque é sinal que a coisa se resolveu. Porque a luta é instrumental. Não é um objectivo. Não andamos aqui para fazer lutas. Andamos aqui para resolver os problemas. Agora, quando os problemas não se desbloqueiam só resta a luta.
- Como última alternativa?
- Claro. É o último poder que temos. Andamos em negociação com o Governo, não se chega a acordo e o Governo põe cá fora o decreto-lei contra nós. Nós, como não podemos pôr cá fora decretos-leis só temos um poder. Falamos com as pessoas, juntamos aí 100 mil e agora vá, agora é sua vez de deitar cá para fora.
- Quer dizer que a greve é possível?
- Vai depender. Eu acredito que o senhor primeiro-ministro tenha alguma dificuldade do ponto de vista político em substituir a equipa, ainda por cima tão pouco tempo depois de uma remodelação, mas também acredito que o senhor primeiro-ministro queira ganhar as eleições em 2009. E vai ter uma vida muito complicada tendo no ano que antecede as eleições este problema dos professores na rua. Penso, se quer que lhe diga, que esta situação é mais complicada para o Governo do que para nós. Nós tivemos uma prova há uma semana de que a contestação não é uma invenção dos sindicatos, como dizia a senhora ministra, e de que não são os sindicatos a dizer uma coisa e os professores outra, como disse o primeiro-ministro ao Presidente da República no dia 5 de Outubro.
- A bola está, portanto, no lado do Governo?
- Sim, o Ministério da Educação e o Governo é que têm um problema para resolver que é acabar com esta situação de grande crise. Eu estou convencido, sinceramente, que ou o Ministério da Educação e o Governo têm capacidade de ir ao encontro, neste momento, daquilo que os professores querem ou vai ser pior. E nós não estamos a exigir o Céu. Para a semana temos de rever o Estatuto da Carreira Docente. Suspendam a avaliação e depois para o ano vamos fazer essa revisão do estatuto. Queremos fazer as coisas com tempo. Não estamos a exigir o Céu. Agora estamos a dizer se a ministra da Educação mantém a inflexibilidade que manteve até agora...
- Vão para a greve.
- Não sei se vai haver uma greve. Se isto se mantiver e a ministra se mantiver se calhar vai haver. Se isto não se resolver agora e a equipa for substituída se calhar teremos uma situação nova.
- A bola está mesmo do lado do Governo.
- Completamente. Quem tem agora de dizer qualquer coisa é o Governo. Há quem diga que os sindicatos ficaram agora com a responsabilidade porque puseram 100 mil na rua. Não. Há uma semana tivemos 100 mil, uma semana depois o Ministério da Educação tem de dizer o que é que tem para responder aos 100 mil. Acredito que seria um sinal de fragilidade para o primeiro-ministro mexer na equipa agora, mas digo-lhe também que se não o fizer vai ter uma vida difícil num ano antes das eleições. Penso que nestas coisas da política a teimosia às vezes é muito má.
- E Sócrates é teimoso.
- O senhor primeiro-ministro é um bocadinho teimoso, nós todos sabemos isso, mas como acredito que tenha conselheiros, mesmo que ele não consiga descobrir isso, alguém lhe dirá.
PERFIL
Mário Nogueira nasceu em Tomar em 1958. Casado, com um filho médico, Vasco, vive em Coimbra, fez o Magistério do Ensino Primário em 1978 e licenciou-se em Educação pela Escola Superior de Educação de Coimbra em 2001. É professor da EB1 de Santa Apolónia, em Coimbra. É dirigente sindical há 18 anos e começou esta actividade no Sindicato dos Professores da Região Centro, de que foi presidente durante largos anos.
Militante do Partido Comunista Português e adepto ferrenho do Sporting, foi eleito secretário-geral da Federação Nacional dos Professores em 2007 e continua a ser o coordenador do Sindicato de Professores da Região Centro. Nas próximas eleições deste sindicato vai de novo concorrer ao cargo de coordenador.
António Ribeiro Ferreira
3 comentários:
A entrevista está muito boa. Consola ver que as posições não se alteraram e, SOBRETUDO, que há UNIDADE dos sindicatos. A unidade que sempre tinha faltado para que a luta dos profs fosse a bom termo. Agora acredito que valeu a pena lutar.
Não acho bem que estejam a apoucar o Dr. Mário Nogueira no perfil que publicaram. Para além de militante do Partido Comunista Português é membro do seu Comité Central.
A tentação da comunicação social é muito grande,de repente as pessoas começam a pensar que se calhar tinham mais jeito para actores do que para a profissão que exercem.O que eu achei mais engraçado foi a pose sorridente para a fotografia que acompanha a entrevistas.Por vezes descobrem-se verdadeiros talentos
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