segunda-feira, 24 de março de 2008

Titularização e feudalismo

Na formação de Portugal, as doações régias tiveram três objectivos: a meritocracia – pagamento de serviços prestados, na panegírica e complacente historiografia que temos; a coordenação da população – através das incumbências de povoar, cultivar e defender; a fidelização, suscitando o apoio incondicional das duas classes generosamente agraciadas. Os alunos, desde tenra idade, jamais entendem a primeira destas razões, pois “– se era para pagar os serviços prestados na guerra, o povo não devia ser também contemplado? – então, não eram os soldados de infantaria, mal treinados e mal vestidos (qual equipados!), de varapau em vez de armas, que corriam os maiores riscos?” – Claro que sim, é evidente que sim. – “Então, não era uma injustiça?” – Foi com certeza, e prenhe de consequências para o futuro do País.

Nós, adultos, destrinçamos a razão verdadeira desta distribuição por poucos do que era de todos, no fundo, configurou a aplicação do adágio de que vale mais um farto que dois famintos, neste caso, uns quantos fartíssimos e muitíssimos mais famintos. Também aferimos as consequências públicas, com os senhores feudais a tornarem-se carrascos do povo indefeso, abusando reiteradamente dos seus poderes e privilégios; e até rememoramos as consequências políticas, com alguns nobres a proibirem os funcionários régios de irem cobrar os impostos às suas propriedades, estabelecendo estados dentro do estado e retribuindo as fartas côdeas que receberam com dentadas nas mãos do régio ofertante. Bendigam-se, neste imbróglio, as intervenções de D. João II e do Marquês de Pombal e de mais alguns outros no sentido de cortarem radicalmente com os desaforos, aqui e ali, excedendo-se eles também.

Meritocracia, coordenação, fidelização.

Apregoadamente as duas primeiras – e, por via delas, obtendo palmas laudatórias dos comentadores supostamente bem-pensantes, ah, e adrede do sr. Albino – subrepticiamente, também a terceira constituem, todas três, as justificações para o concurso de titulares e a forma como foi imposto às escolas. Quanto ao mérito, foi gerada incontornável estupefacção por ter sido atribuído a quem foi atribuído porque, como é tangível, não foi aos melhores nem àqueles que estavam na frente do risco pedagógico, porquanto o maior número de pontos proveio do exercício de cargos (diz que é uma espécie de combate a cavalo), quantas vezes de maneira fortuita, em escolas onde não havia mais quem o fizesse, e não da prática lectiva real, uma espécie de combate de infantaria, frequentemente sem equipamento adequado.

Um dos princípios do maquiavelismo é subverter as regras, beneficiando alguns, pois esses se tornarão carrascos de todos os outros. Assim como os senhores feudais. E quem supuser que é exagerada a analogia, reporte-se àquele parâmetro de avaliação, publicitado por todos os e-mails dos professores revoltados e também na Assembleia da República por Francisco Louçã: "verbaliza satisfação/ insatisfação" pelas mudanças em curso no sistema educativo (citámos de cor). Aí estão os novos epifenómenos feudais, com seus esbirros de chicote na mão, prontos a domesticar o povo indefeso e, porque os tempos são outros, sem descurar as habilidades pidescas da delação, como se viu no caso Charrua e nos mais que se adivinham.

Quanto à segunda, a da coordenação, "in illo tempore", a maioria da nobreza, em menos de nada, quase prematuramente, instalou-se na capital, petiscando as sopas da Corte e deixando as propriedades de Bragança, ou de alhures, entregues aos respectivos capatazes. E, desta feita, é demagógico e ridículo dizer-se que cada titular vai coordenar dois plebeus professores porquanto, nas cidades, a proporção é de cinquenta por cinquenta ou quase e nos pequenos meios, em muitos departamentos, não há um titular para amostra; tanto mais que, a juntar ao facto de nas cidades haver, à partida, muitos mais no topo da carreira que deu titularidade quase automática (os 95 pontos eram fáceis de perfazer) promoveu-se a atribuição de lugares, nos grandes centros onde se encontravam destacados, a muitos titularizados que provinham de lugares da periferia – até se lambuzaram com o presente!

Fidelização foi um ganho imediato, mas provisório. Dos 43.000 que faltaram à megamanifestação, à beira de 32.000 seriam titulares – isto pela amostra que se viu nas manifs. preparatórias – e os outros resultaram de impedimentos pessoais ou familiares de vária natureza. Acrescidos indícios, de tal fidelização, decorrem do que foi alardeado e publicado nos jornais, mormente, sobre a pacificação pós-concurso de titulares e a paz podre evidenciada nas escolas – com algumas zelosamente a aplicar a avaliação antes mesmo de decorridos os prazos do Sr. Pedreira. Os que se sentem vilipendiados, todos os outros, mais de 100.000, esperam então pelo dia em que os clones feudais – que, por ora, só vão dizendo que estão a cumprir ordens – acabem também a morder as mãos da generosa presenteadora. Esta, a generala, podia muito bem substituir os titulares 1,2,3 por barão, conde, visconde e ao sr. Albino titulá-lo de marquês de confap, “honoris causa”… «– foge, cão, que te fazem barão; – para onde, se me fazem visconde?» … lá-á-á-lá-lá-lá-lá-á-á-á!...

Num tempo em que a política tem razões que a ética desconhece.

maneltiago

1 comentário:

Anónimo disse...

Estarao os professores (alguns) loucos?